Em uma época onde os grandes estúdios cinematográficos
investem centenas de exorbitantes milhares de dólares em suas produções,
os efeitos especiais se mostram cada vez mais modernos e mais apegados
aos recursos de computação gráfica, e principalmente, em um período onde
a esmagadora maioria dos freqüentadores dos cinemas são jovens e
adolescentes acostumado às imagens e ritmos frenéticos popularizados
através da “geração MTV”, parece cada vez mais difícil um filme
atravessar as décadas e ainda ser considerado um clássico referencial,
com potencial jamais superado dentro de seu respectivo gênero. Dentro
desse seleto grupo de pérolas, certamente se inclui “Um Lobisomem
Americano em Londres”, dirigido por John Landis em 1981, e que está
completando 25 anos de seu lançamento ainda desfrutando do status de
clássico inquestionável, se mantendo atual tanto em termos de recursos
técnicos quanto em relação à qualidade de seu enredo.
Acredito que poucos filmes tenham uma cena tão marcante,
referenciada e cultuada com a cena em que o protagonista se transforma
em lobisomem pela primeira vez. Não é à toa que tal cena, realizada com
tanto esmero e brilhantismo, acabou sendo fundamental para que o
maquiador Rick Baker ganhasse o primeiro de seus sete prêmios “Oscar”
concedido pela sempre exigente Academia Norte-americana de Cinema. De
qualquer forma, seria extremamente injusto avaliar o filme unicamente
pelo mérito dos efeitos especiais, uma vez que essa obra ainda conta com
um roteiro que, apesar de simples, se revela bastante envolvente, um
trabalho de direção estupendo por parte de Landis (que até então só
havia feito sucesso dirigindo comédias como “Os Irmãos Cara-de-pau”),
que consegue imprimir ao filme um bom ritmo, mesclando cenas de humor
refinadas, passagens repletas de tensão e suspense, e ainda momentos
violentos e realmente aterradores.
Os primeiros vinte minutos do filme já são praticamente um
show à parte, que deveria servir como referência para muitos diretores
atuais, como exemplo de como se pode criar, em poucos minutos, um clima
de suspense e perigo iminente que realmente deixa o espectador tenso e
conectado ao que está assistindo.
O filme começa com os créditos aparecendo em meio a imagens das desoladas e
inóspitas
paisagens do interior da Inglaterra, ao som de “Blue Moon” interpretada
magistralmente por Sam Cooke. Já está anoitecendo e o céu obscuro não
promete nada de bom, quando então vemos uma camionete repleta de ovelhas
parar junto a uma encruzilhada. Do meio das ovelhas saem David Kessler
(David Naughton) e Jack Goodman (Griffin Dunne), dois amigos
norte-americanos que estão passeando pela Europa. O motorista da
camionete lhes indica o caminho até o vilarejo mais próximo, e lhes
adverte para que “evitem os pântanos e fiquem na estrada”. Os dois
seguem caminhando e conversando descontraidamente, hora reclamando do
frio, hora motivados com as expectativas da viagem. Já nesse momento se
percebe a perfeita química entre os dois jovens atores, que de certa
forma quase convence o espectador de que eles são realmente grandes
amigos e que se conhecem desde criança. Essa empatia entre o público e
os personagens é fundamental para que as cenas posteriores causem o
devido impacto a que se propõem.

As primeiras sombras da noite já encobrem a paisagem quando a
dupla chega ao vilarejo e se dirigem para uma espécie de taverna chamada
“Cordeiro Massacrado”. Ao entrarem no recinto, os jovens são recebidos
com uma frieza quase hostil por parte dos freqüentadores do local. A
medida em que o ambiente recobra a descontração, Jack fica intrigado ao
ver na parede o desenho de um pentagrama iluminado por velas. O rapaz
zombeteiramente menciona com David que no filme do “Wolf-Man” aquela é a
marca do lobisomem (essa é a primeira de várias citações ao clássico
estrelado por Lon Chaney Jr.), portanto o símbolo na parede deve servir
para manter os monstros distantes. Mal sabia ele como estava certo.
Sem conseguir resistir a curiosidade, Jack acaba pergunto para
que servia o símbolo na parede, e rapidamente ele descobre que não foi
uma boa idéia. Todos os freqüentadores da taverna se mostram irritados e
praticamente expulsam os dois viajantes dali, mas não sem antes
advertirem novamente para que “evitem os pântanos e fiquem na estrada”,
acrescentando ainda um tenebroso “cuidado com a lua”. David e Jack
partem sem entender muito bem o motivo daquele comportamento estranho,
enquanto na taverna as pessoas ficam discutindo: alguns acham que não
adiantaria contar a verdade aos forasteiros, pois estes não
acreditariam, outros achavam que foi um erro deixa-los partir, e que
deveriam ir atrás deles.
A essa altura a dupla de amigos já está andando a esmo pelos
úmidos e nebulosos pântanos que circundam a região. Apenas, quando a lua
cheia passa a brilhar no céu, os dois se dão conta de que saíram da
estrada e se perderam. Mas é tarde demais: uma fera desconhecida passa a
espreitá-los e perseguí-los em meio à escuridão, e logo o pior
acontece: a terrível criatura surge de surpresa e estraçalha Jack com
extrema ferocidade. Apavorado, David foge correndo, mas depois decide
voltar para ajudar o amigo, sendo também atacado pela criatura. Quando
David está prestes a ser morto pelo monstro, surgem os freqüentadores da
taverna “Cordeiro Massacrado” e fuzilam a fera. David está muito ferido
e acaba perdendo a consciência.
Essa primeira parte do filme é desenvolvida com grande
maestria, valorizando a paisagem local como um elemento a implementar o
suspense, abusando dos efeitos sonoros e da subjetividade no momento em
que o lobisomem está cercando os viajantes, e não poupando no sangue e
na violência no momento em que os jovens são atacados. Uma seqüência
memorável e que ainda hoje me parece um dos pontos altos do filme.
Em seguida vemos David acordando em um quarto de hospital em
Londres. Lá lhe explicam que ele e Jack foram atacados por um maníaco,
que seu amigo acabou sendo morto, e que provavelmente ele também seria
caso os moradores locais não tivessem intervindo e baleado o assassino.
David tenta argumentar que eles não foram atacados por um maníaco, mas
sim uma fera. Porém, acreditando que o jovem estivesse traumatizado pelo
acontecido, ninguém lhe dá importância.

Desnecessário dizer que o filme possui mais uma dúzia de cenas
memoráveis, que já foram largamente mencionadas e debatidas, como o
ataque do lobisomem dentro do cinema, a fantástica seqüência de
acidentes de trânsito quando o monstro está correndo pelo centro da
cidade, e a já clássica cena em que a fera persegue um pobre infeliz
pelas galerias desertas do metrô, apenas para lembrar algumas.
Paralelamente ao enfoque no suspense e no horror, o filme
também dá destaque para o humor, que a partir daqui passou a ser um
elemento incorporado em quase todos os filmes de terror desenvolvidos ao
longo da década de 1980. Mas quando se fala em humor, é preciso que se
tenha a noção de que se trata de um humor sutil e ocasional, e não algo
forçado e que inevitavelmente descamba para a baixaria, como no caso dos
filmes de “horror adolescente” feitos atualmente. Impossível não se
divertir com a cena em que David acorda completamente nu dentro da jaula
dos lobos no zoológico, e precisa inventar uma série de artimanhas para
sair daquela situação constrangedora.
Também é valido salientar que o sucesso do filme não se deu
por acaso, uma vez que ele foi longamente planejado por Landis e Backer.
Ao assistir os extras do DVD nacional do filme, ficamos sabendo que
Backer começou a elaborar os efeitos especiais do filme cerca de nove
meses antes das filmagens terem início, e para isso montou uma equipe
com seis ajudantes convocados especialmente para esse fim. Landis, por
sua vez, ficou dez anos com o roteiro do filme guardado por falta de
verba para realizá-lo. Até que, com o sucesso da comédia “Os Irmãos
Cara-de-pau”, a Universal acabou dando um voto de confiança para o
diretor, e decidiu bancar o seu tão almejado filme de lobisomem. Decisão
mais do que correta.
Por todos esses fatores apresentados acima, “Um Lobisomem
Americano em Londres” será sempre uma referência de destaque quando se
falar em filmes de lobisomem, da mesma forma que “A Noite dos
Mortos-vivos” será sempre um marco para os filmes de zumbis e
“Sexta-feira 13” para os slasher-movies.
Como curiosidade final, fica também o pesar pelo fato da dupla
de atores David Naughton e Griffin Dunne não terem conseguido
desenvolver com sucesso suas carreiras. Ambos participaram de uma
infinidade de filmes “meia boca” que obtiveram pouca ou quase nenhuma
notoriedade. Talvez a única exceção seja o ótimo “Depois das Horas”
dirigido pelo cultuado Martin Scorsese e que foi protagonizado por
Griffin Dunne.
Atualmente, Dunne tem se dedicado à função de diretor,
dirigindo em sua maioria filmes de drama e comédia, produzidos
diretamente para a televisão. Naughton continua atuando, tendo
participado de filmes constrangedores como “Abelhas – Ataque Mortal” e
“Prisioneiro das Trevas”, e atualmente parece estar voltando aos filmes
de lobisomem, já que fará o papel do Xerife Joe Ruben em “Big Bad Wolf”,
filme do diretor Lance W. Dreesen, que promete extrema violência e
muito gore, e cujo lançamento está programado para o segundo semestre de 2006.
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