Imagine que você é o líder de um grupo de seis soldados num
exercício de rotina do exército...E que algo sai terrivelmente errado.
Você está atrás das linhas inimigas. Seus homens são inexperientes. E
você não tem munição de verdade. Isolados na mais deserta e hostil
escuridão. Que são iscas numa armadilha montada por forças
governamentais. Imagine que o sol começa a dar lugar a uma enorme lua
cheia. Que uivos arrepiantes podem ser ouvidos ao longe. Imagine que a
sensação de que, a qualquer momento, vocês podem ser atacados por lobos
assassinos está cada vez mais latente...
Essa é a sinopse oficial do filme “Dog Soldiers – Cães de
Caça”, uma produção inglesa de 2002, dirigida e roteirizada por Neil
Marshall. Em um primeiro momento, o expectador mais desavisado pode
achar esse resumo pouco atraente, e quem sabe até cometer o erro de
julgar a obra desinteressante. Porém, a realidade nos mostra justamente o
contrário: “Cães de Caça” não só é o melhor filme de lobisomens
concebido após “Um Lobisomem Americano em Londres” como também consiste
num dos melhores filmes de terror dos últimos anos. E digo mais: fazia
muito, mas MUITO tempo que eu não assistia algo tão assustador. E quando
falo em assustador, não estou me referindo aos sustos fáceis à moda
americana, mas sim àquele medo genuíno, que só surge quando você está
diante de uma obra realmente convincente. E por incrível que pareça, o
medo a que me refiro não tem origem nos horrendos lobisomens e nem no
sangue que encharca o filme. O que literalmente “apavora” nessa obra é a
surpreendente atuação do elenco (tão bom quanto desconhecido), que
confere aos soldados uma condição de desespero e transtorno tão
realistas que se torna quase impossível não se deixar envolver. É claro
que o diretor tem grande mérito nesse quesito, pois soube criar com
muita propriedade um clima sombrio, denso e instável, que deixa o
espectador o tempo inteiro em estado de alerta para alguma iminente
surpresa.
Certamente, outro aspecto que contribui para o resultado final
desse filme ser tão satisfatório, é o dinamismo do roteiro, que apesar
de possuir algumas facetas mais complexas (evidenciadas através dos
diálogos), se desenvolve de forma bastante dinâmica, não deixando o
pique cair em nenhum momento. Basicamente, o que temos é um grupo de
soldados despreparados, mal equipados, assustados e feridos tentando a
todo custo se defender do ataque de um grupo de lobisomens em meio a uma
floresta distante e isolada. Não vou entrar em detalhes sobre as
reviravoltas na trama e as “revelações” de certos personagens para não
estragar a surpresa de quem ainda não assistiu. Mas posso assegurar que
tudo é mais grave e difícil do que parece ser.
Como destaque, eu diria que toda a primeira metade do filme é
digna de méritos. Desde os súbitos ataques dos lobisomens até a correria
desesperada dos soldados em meio a mata, tudo é registrado de forma
fantástica. O diretor Neil Marshall conseguiu um excelente resultado ao
mesclar cenas de violência extrema e explícita com outras mais
sugestivas e indiretas. Inclusive, em alguns momentos a exposição de
sangue e vísceras é tamanha, que nos leva a deduzir que a equipe
responsável pelos efeitos deve ser fortemente influenciada pela antiga
escola splatter italiana, ou pelo menos, grandes fãs de Tom Savini.
A partir da metade do filme, quando os sobreviventes se
trancam em um casarão deserto, os sustos se tornam um pouco menos
freqüentes, e a história passa a introduzir uma série de informações que
ajudam a compreender o real significado da inusitada condição em que o
grupo de militares se encontra. Mas como já foi mencionado
anteriormente, em nenhum momento o filme se torna monótono, sendo que
mesmo os momentos de aparente calmaria são quase sempre apenas uma deixa
para pegar o expectador de surpresa antes de uma nova sessão de horror e
desespero.
Mas como nem tudo é perfeito, esse filme também possui alguns
aspectos negativos impossíveis de não serem mencionados. Em primeiro
lugar, aquele que costuma ser o maior problema de 99% dos filmes
recentes de terror: o excesso de situações batidas e repetitivas em meio
ao roteiro. Ao assistirem esse filme, certamente os fãs mais antigos
irão identificar logo de cara situações que já foram vistas de forma bem
semelhante em outros filmes, como “Grito de Horror”, “A Noite dos
Mortos-vivos” e até mesmo no recente “Sinais”.
Em relação a parte técnica do filme, chama a atenção o fato de
que os movimentos de câmera e a sucessão de ângulos e enquadramentos se
desenvolve de forma muito frenética, sendo que em alguns momentos a
velocidade com que as imagens são exibidas e sucedidas é tão grande que
fica até difícil distinguir com clareza o que está se passando. Talvez
esse recurso tenha sido usado propositadamente pelo diretor com a
intenção de desorientar o expectador, aumentando assim a sua condição de
desconforto, ou também é possível que ele tenha feito isso simplesmente
para não mostrar diretamente os lobisomens, deixando isso mais para o
final do filme.
Mas de qualquer forma, esses contrapontos não são suficientes
para tirar os méritos dessa obra. E por falar nisso, é interessante
notar que além de ser um grande filme, “Cães de Caça” também poderia ser
visto com destaque por trazer de volta uma antiga tendência: Quando os
europeus querem (em especial os ingleses e italianos), eles são capazes
de produzir filmes tão bons ou até melhores que os americanos. Somente
para citar um exemplo, é interessante lembrar que durante os anos 80 o
cinema fantástico produzido nos EUA estava bastante direcionado para os
chamados “terror adolescente”, onde não faltavam slashers a lá
“Sexta-feira 13” e filmes de vampiros como “Garotos Perdidos”. Em meio a
várias produções divertidas e interessantes, surgiam também inúmeras
bombas, que mais pareciam comédias do que propriamente filmes de terror.
Além do que, franquias de sucesso como “Halloween” e “A Hora do
Pesadelo” começavam a ficar desgastadas, com filmes fracos e
repetitivos, o que contribuía para a idéia de que, naquela década, o
gênero ainda teria muito pouco a oferecer. E então o que foi que os
ingleses fizeram? Apareceram em 1988 com “Hellraiser”, um filme
extremamente violento, pesado, sádico e até pervertido em alguns
aspectos. Todo mundo sabe que esse filme fez grande sucesso, iniciando
uma longa franquia e servindo como referência para toda uma nova onda de
filmes que surgia, dessa vez voltando a apostar em temáticas mais
“sérias”. E isso sem falar nos filmes italianos, especialistas em zumbis
e canibais, mas que infelizmente nunca obtiveram o reconhecimento que
mereciam.
Para finalizar esse artigo, fica o pesar por “Cães de Caça”
não ter sido exibido nos cinemas brasileiros, pois é bastante provável
que com uma boa divulgação ele pudesse ter tido um ótimo desempenho nas
bilheterias. Potencial para isso com certeza ele tem. Aqui no Brasil, a
“PlayArte” lançou “Cães de Caça” diretamente em DVD e VHS. Não deixe de
assistir.
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