Da mesma forma com que determinados momentos de nossas vidas
exigem que olhemos para trás e acertemos as contas com o passado,
existem também circunstâncias em que alguns filmes se mostram
merecedores de serem assistidos novamente e reavaliados. Digo isso
porque me lembro bem de que quando fundei a comunidade “Filmes de
Lobisomem” no Orkut uma das primeiras discussões calorosas a ganhar
forma envolveu o filme “Lua Negra” (Bad Moon, 1996), e eu fui um dos que
afirmou que a obra era ruim e com isso despertei o ódio de uma imensa
quantidade de fãs que eu nem imaginava que o longa-metragem de Eric Red
pudesse ter. Passaram-se quase três anos, a comunidade cresceu muito e
cada vez mais aparece admiradores exaltando as qualidades desse filme,
de forma que passei a me questionar: por mais que se diga que “gosto é
gosto” e que cada um é livre para gostar ou deixar de gostar de algo,
poderia eu estar avaliando tão mal uma obra da qual a quase totalidade
dos fãs de licantropos que conheço se mostram admiradores?
Intrigado, resolvi dar mais uma chance ao filme e me dispus a
assisti-lo novamente, cerca de dez anos depois de ter feito isso pela
última vez. E, vejam só: cheguei a conclusão de que não apenas a obra
não era nem de longe tão ruim quanto eu julgava, como também sou capaz
de afirmar que “Lua Negra” é um dos melhores filmes de lobisomem da
década de 1990. É possível até que seja de fato o melhor. Como seria
possível uma mudança tão drástica de opinião? Certamente, o
amadurecimento e a experiência de vida acumulada em dez anos são
suficientes para mudar significativamente a nossa capacidade de
interpretar e avaliar as coisas, mas forçando um pouco a memória não é
difícil entender o porquê da minha aversão inicial a esse filme. Lembro
que eu o assisti pela primeira vez em VHS, no final de 1996, e uma das
primeiras coisas que me chamou a atenção foi a inexplicável opção
nacional pelo título de “Lua Negra” quando a versão original em inglês é
“Bad Moon” e, portanto deveria ser traduzida como “Lua Má”, que além de
mais fiel, também me parece soar melhor e ser mais representativo tendo
por base o teor da história. A segunda vez que o assisti foi um ou no
máximo dois anos depois, quando ele passou no canal de televisão aberto
SBT com o intrigante nome de “Bad Moon – Na lua cheia” e mais uma vez
fiquei contrariado com a falta de fidelidade ao nome da obra original.
Mas, deixando a questão dos títulos de lado, lembro que em ambas às
circunstâncias julguei o filme como sendo fraco e nada memorável. Mais
havia um motivo para isso, e só agora me dou conta: eu estava sofrendo
de um mal que, na falta de uma opção melhor, vou chamar de “percepção
viciada”, cujo principal sintoma é assistir um filme sempre o comparando
de forma rigorosa com outro do mesmo gênero. Nesse caso, o filme que
era tomado como paralelo comparativo era “Um lobisomem americano em
Londres”, que considero não apenas como o melhor filme de lobisomem já
feito como também um dos melhores que já assisti em toda minha vida,
englobando todos os gêneros. E assim, logicamente, ficou difícil para o
“Lua Negra” me agradar, uma vez que até hoje não encontrei outro filme
que se equiparasse com o clássico de John Landis, e, obviamente, não
seria a modesta obra de Eric Red que atingiria tal meta.
Felizmente, através de conversas com outros fãs de filmes de
terror, com a leitura de artigos sobre o gênero e com o conhecimento
adquirido através de anos assistindo filmes de horror e suspense quase
que ininterruptamente, consegui me livrar do mal da “percepção viciada”,
e hoje sou capaz de analisar um filme de acordo com seus próprios
méritos e deméritos, tomando por base os aspectos positivos e negativos
que ele traz em si mesmo, sem precisar compará-lo com outro para decidir
se ele é ou não satisfatório e divertido. É claro que as comparações
não naturais e servem como parâmetro para muitas coisas, mas não para
decidir se um filme é capaz de nos divertir ou não. Isso é o próprio
filme quem deve nos dizer. Infelizmente, ainda é possível de se
encontrar por aí, principalmente nas comunidades do Orkut, muita gente
que continua com a percepção viciada, que acha que nenhum filme de
zumbis presta se não for como os do Romero, que nenhum slasher agrada se
não for como os dos anos 1980, e assim por diante.
Bem, mas depois dessa introdução cheia de divagações, vamos ao
que interessa: a análise do filme propriamente dita. “Lua Negra” foi
roteirizado e dirigido por Eric Red, conforme já mencionado, e para quem
não se lembra dele, podemos citar como informação adicional o fato de
ele ter feito um relativo sucesso como roteirista na década de 1980,
tendo criado os enredos de clássicos da época, como “A morte pede
carona” e “Quando chega a escuridão”. No início dos anos 1990, Red
também escreveu o roteiro e dirigiu o viajante e violento “Anatomia de
um assassino”, que foi exibido e reprisado várias vezes no saudoso Cine
Trash da Band. O roteiro de “Lua Negra” foi baseado no livro “Thor”, de
Wayne Smith, que mostra a história através do ponto de vista do pastor
alemão que dá nome ao livro. Sobre o elenco, o que podemos dizer é que
ele é bem reduzido e composto basicamente por atores que na época eram
vistos como promessas a astros, mas que com o tempo não foram capazes de
fazer suas carreiras decolar. Os melhores exemplos são o garoto Mason
Gamble, que surgiu com a clássica adaptação infantil dos desenhos
animados “Dennis, o Pimentinha”, mas que atualmente se dedica a fazer
pontas em série de TV, e também o protagonista Michael Paré, que atuou
em alguns filmes de ação antes de “Lua Negra”, depois ficou basicamente
atuando em séries televisivas e atualmente parece ter caído nas graças
do famigerado diretor Uwe Boll, que o escalou para atuar em filmes como
“BloodRayne”, “BloodRayne II” e “Alone in The Dark II”.
Quanto ao roteiro, ele é simples e eficiente, sucinto a ponto
de fazer com que o filme tenha apenas 80 minutos de duração. O trabalho
de direção é igualmente simples e não menos eficiente, com destaque para
algumas boas passagens destinadas a criar um clima de suspense é as
ótimas cenas de ação envolvendo o lobisomem.
O filme começa com uma bela imagem de uma floresta isolada no
interior da Indonésia, onde o casal de fotógrafos Ted (Michael Paré) e
Marjorie (Johanna Marlowe) se preparam para se recolher à sua barraca em
um acampamento cercado por nativos indonésios recrutados como
assistentes. A lua cheia já desponta no céu enquanto o casal transa em
sua barraca, em uma cena de nudez gratuita bem ao melhor estilo anos 80.
Nesse meio tempo, algo se aproxima pela mata, e deixa os cavalos
desesperados a tal ponto que conseguem romper as cordas que os mantinham
presos e fogem em disparada pela floresta. A maior parte dos ajudantes
da expedição sai correndo atrás dos animais, deixando apenas um para
trás, que logo é atacado por algo vindo detrás das árvores. Ted e
Marjorie continuam fazendo amor sem tomar conhecimento de nada, até que a
sombra de algo gigantesco e monstruoso surge por detrás da barraca. Em
um ataque extremamente violento, um lobisomem invade a tenda, fere Ted e
o arremessa para longe, enquanto estraçalha a moça que grita
desesperadamente. Rastejando, o fotógrafo consegue pegar um rifle que se
encontra próximo a uma mesa e dispara um tiro que explode a cabeça do
monstro. É depois dessa empolgante introdução que entram os créditos
iniciais. Sabe-se que essa cena inicial foi concebida por Red para ser
ainda mais longa e violenta, contando também com cenas de sexo mais
explícitas, mas devido à censura ou a preocupação dos produtores com as
possibilidades comerciais do filme, acabou sendo reduzida e simplificada
até ficar da maneira que está no filme. Inclusive, essa versão
estendida do começo da obra pode ser encontrada na internet sem maiores
dificuldades.
Em seguida, através de um corte espaço-temporal, a ação se
desloca para uma bela casa campestre nas imediações de uma pequena
cidade no interior dos EUA, onde conhecemos Janet (Mariel Hemingway),
uma advogada recém chegada de Chicago, seu filho Brett (Gamble) e Thor, o
esperto cão de estimação. Nesta cena também aparece um vendedor de
livros charlatão, que provoca Thor a fim de fazer com que o cachorro o
agrida, com o objetivo de posteriormente pedir dinheiro para Janet em
troca de não processá-la por negligência no ataque do animal. Mas como
ele está lidando com uma advogada astuta, acaba tendo que ir embora sem
um tostão, mas ameaçando voltar para se vingar. Essa passagem tem a
clara intenção de mostrar o quanto Thor é protetor em relação aos donos e
também introduzir o personagem do vendedor, que mais tarde terá a
péssima idéia de retornar em busca de vingança justamente numa sinistra
noite de lua cheia.
Na sequência, presenciamos uma disparatada cena noturna, onde
um engenheiro florestal, ou algo que o valha, anda pela mata no meio da
noite medindo o diâmetro das árvores. A esfarrapada desculpa para algo
tão inusitado é dada através das reclamações do próprio personagem, que
diz que ao trabalhar até altas horas ganha “o adicional noturno”. Logo o
sujeito se vê perseguido por uma criatura feroz e não tarda à virar
comida de lobisomem.
No dia seguinte, Janet recebe uma ligação de seu irmão Ted, o
fotógrafo do início do filme, que convida ela e Brett para visitá-lo em
seu trailer, que se encontra estacionado na margem de um grande lago. A
visita transcorre agradavelmente, mas Janet repreende Ted por ter ligado
para ela apenas agora, uma vez que ele já havia voltado da Indonésia há
três meses. O fotógrafo também conta que não está mais com a namorada
Marjorie, mas não dá detalhes sobre o que aconteceu a ela. Enquanto
isso, Thor está dando um passeio pela mata, nas imediações do local onde
está o trailer, e avista sobre uma árvore os pedaços do cadáver do
engenheiro florestal morto na noite anterior. Junte a isso um livro
sobre licantropia que Brett encontra escondido em meio aos apetrechos do
tio, e pronto, mesmo o mais desavisado dos espectadores entende que,
após ser atacado na Indonésia, Ted também passou a se transformar em
lobisomem, e agora anda fazendo vítimas pela região.
Depois de retornar para casa, Janet recebe uma nova ligação de
Ted, dizendo que gostou muito da visita e que, conforme a vontade da
irmã, está indo passar uns dias com ela e Brett. O fotógrafo alega o
bem-estar proporcionado pela proximidade com a família como sendo a
principal razão para sua decisão, mas vemos também que ele está
assustado pela presença de policiais na região, devido à descoberta do
corpo do engenheiro florestal. Tão logo chega a casa de Janet, Ted passa
a ser progressivamente hostilizado por Thor, que devido aos seus
instintos caninos, percebe algo de ameaçador no sujeito. Durante as
primeiras noites, o fotógrafo se esconde na floresta e algema-se nas
árvores para não atacar ninguém quando se transforma em lobisomem, mas
com o passar dos dias, as coisas vão ficando cada vez mais complicadas
até o ponto em que o monstro fica à solta, pondo em risco a vida de
todos que cruzarem seu caminho.
Este é o enredo básico do filme, e como se pode ver, é
realmente bastante simples. Acredito que um dos principais méritos do
diretor Eric Red é justamente fazer uso apropriado dessa simplicidade,
construindo de forma eficiente a relação entre os personagens e dando o
devido destaque para o lobisomem, que ao contrário da maioria dos outros
filmes do gênero, aqui é mostrado de modo claro e direto. Entendo que
isso ocorra principalmente pelo fato de que a concepção do lobisomem é
algo realmente excelente e ficou a cargo de uma equipe comandada pelo
experiente Steve Johnson, responsável pelos igualmente ótimos efeitos
das criaturas do filme “Grito de Horror IV – Um arrepio na noite” e
também de obras como “A volta dos Mortos-vivos III”, “Cemitério Maldito
II” e “A Hora do Pesadelo IV”. Também é interessante mencionar que
Johnson foi assistente de Rick Backer na produção dos efeitos especiais
de “Um lobisomem americano em Londres”, o que demonstra que ele teve uma
formação mais do que apropriada para trabalhar em filmes do gênero. E,
de fato, na minha humilde opinião, o lobisomem de “Lua Negra” é o melhor
que já vi em um filme sobre criaturas licantrópicas: um monstro bípede,
de cerca de 2m de altura, cinzento, forte e voraz. Tudo isso concebido
através de efeitos de maquiagem bem elaborados e convincentes, de forma
que, mesmo nas cenas de ação, onde o lobisomem corre, salta ou luta com o
cachorro Thor, ainda assim se mostra verossímil, algo poucas vezes
alcançado em outros filmes similares.
Sobre a cena de transformação, sempre tão aguardada pelos fãs
desse tipo de filme, o que posso dizer é que ela é um tanto irregular,
mesclando alguns ótimos efeitos de maquiagem com outros feitos em
computação gráfica que, como de costume, deixam bastante a desejar. De
uma maneira geral, a transformação não está à altura do lobisomem em si,
que depois de completamente metamorfoseado possui um visualmente
realmente arrasador.
Acredito que apenas a possibilidade de ver em ação um
lobisomem tão bem feito já seria motivo suficiente para recomendar o
filme, mas “Lua Negra” tem outros aspectos positivos, como a boa atuação
do elenco e em especial de Michael Paré, que convence no papel de um
homem deprimido e atormentado por uma maldição da qual ele não sabe como
se livrar e que progressivamente vai pondo a perder tudo que ele ama.
Outra coisa legal foi a homenagem ao clássico “O Lobisomem de Londres”,
de 1935, que Brett aparece assistindo na TV em um determinado momento.
Temos ainda a já mencionada cena de abertura, que considero um dos
pontos altos do filme, e também o último e empolgante ataque do monstro
onde boa parte da casa de Janet foi destruída. As imagens de um
lobisomem gigantesco correndo por dentro dos cômodos apertados de uma
casa, trombando e destruindo tudo que vem pela frente de forma furiosa é
algo a ser lembrado para qualquer possível antologia de melhores
momentos de filmes sobre criaturas licantrópicas.
Mas apesar dos méritos, “Lua Negra” também tem seus evidentes
defeitos. Não há como não se irritar ao ver o enorme tempo que é preciso
para Janet se dar conta de que existe algo de muito errado com o irmão,
pois a impressão que temos no início do filme é que ela é uma mulher
muito inteligente e perspicaz. Igualmente, não parece fazer muito
sentido para a lógica da história a afirmação de Ted de que os
lobisomens podem se transformar com qualquer lua, uma vez que sempre que
o monstro aparece o diretor faz questão de mostrar uma enorme lua cheia
brilhando no céu. Por fim, o que mais me desagrada nessa obra é ver as
grandes dificuldades enfrentadas pelo lobisomem nas cenas em que ele
luta com o cachorro Thor, pois, sob a minha ótica, um monstro de enorme
envergadura como aquele deveria ser capaz de partir um cão ao meio com
um ou dois golpes, diferentemente daquilo que é mostrado no filme. Mas,
obviamente, isso é só uma questão de ponto-de-vista sobre um detalhe
específico da obra, que em nada denigre os méritos de sua totalidade.
Após essa longa análise, motivada por uma observação do filme
de forma menos negativamente engajada do que nas primeiras vezes que o
assisti, não apenas passei a encarar o filme de Eric Red de forma muito
mais positiva, como ainda arrisco afirmar que, embora não possua o
brilhantismo da trinca de clássicos da década de 1980 (“Um lobisomem
americano em Londres”, “Grito de Horror” e “A Hora do Lobisomem”), ainda
assim “Lua Negra” é o melhor filme de lobisomem dos anos 1990. Quem é
fã do gênero poderá olhar em retrospectiva para os filmes realizados
nessa década e verá que, além deste, as únicas produções portadoras de
maior destaque foram “Lobo” (1994), de Mike Nichols e “Um lobisomem
americano em Paris” (1997), de Anthony Waller, de forma que quem conhece
tais obras provavelmente irá me dar razão.






































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