The House of Dracula - 1945


 
O Lobisomem. Monstro de Frankenstein. Drácula. Um cientista maluco. Todos reunidos em um único filme. Já vimos isso antes, não? Com certeza. Percebe-se que a premissa básica do novo filme com os monstros clássicos da Universal, de 1945, nada tinha de inovador, já que repetia exatamente a proposta bem-sucedida apresentada em “A Casa de Frankenstein” (House of Dracula - 1945), lançado no ano anterior. Aqui, mais uma vez volta a ficar evidente a saturação da fórmula que ao longo das décadas de 1930 e 1940 explorou a exaustão a imagem dos monstros imortais que, em aventuras solo ou em crossovers, protagonizaram quase duas dezenas de filmes. Os próprios produtores da Universal pareciam conscientes dessa realidade, tanto que este “A Casa de Drácula” foi arquitetado para ser o último episódio da saga desses fascinantes personagens, em especial, de Larry Talbot, o Lobisomem, que finalmente parecia estar diante de sua redenção. Contudo, embora esteja longe de ser um filme necessariamente ruim, a verdade é que “A Casa de Drácula” é um filme bem inferior ao seu antecessor “A Casa de Frankenstein”, e embora se conclua de forma até satisfatória, nos passa a impressão durante toda a sua curta duração que algo bem melhor poderia ter sido elaborado para esta pretexta última aventura. Essa constatação se torna ainda mais surpreendente quando se observa que quase todo o grupo de profissionais envolvidos no filme anterior foi mantido para essa seqüência, o que nos faz pensar que aquilo que funcionou tão bem anteriormente poderia ter funcionado uma vez mais.
 
O diretor Erle C. Kenton foi o mesmo de “A casa de Frankenstein”, e embora sua competência seja reconhecida, parece que aqui lhe faltou condições de imprimir um ritmo um pouco mais dinâmico ao filme, fazendo com que a ação incessante da obra anterior fosse substituída por um andamento mais lento e monótono. O roteiro novamente foi elaborado por Edward Lowe Jr, mas ao contrário do filme anterior, onde ele teve a preciosa colaboração do genial escritor alemão Curt Siodmak, dessa vez ele cuidou de tudo sozinho, e muito provavelmente esteja aí o ponto crítico do filme. Siodmak se destacou por ter escrito os roteiros de “O Lobisomem” e “Frankenstein encontra o Lobisomem”, dois grandes sucessos que apresentavam toda a mitologia e universo ficcional criado para o personagem de Larry Talbot. Nesse meio, a licantropia era abordada como uma terrível maldição, que fazia com que aquele que fosse marcado com o sinal do pentagrama se transformasse em lobisomem nas noites de lua cheia. O misticismo, a magia cigana e o sobrenatural eram elementos constantes dessa realidade. Porém, neste novo filme, Lowe Jr decidiu reinventar muitos dos conceitos criados por Siodmak, chegando a ponto de tratar a licantropia como um mal meramente patológico, passível de ser tratado com o uso específico da medicina. Até mesmo o vampirismo do Conde Drácula teve uma tentativa estapafúrdia de justificativa científica, algo que de forma alguma condiz com a presença eminentemente sobrenatural e demoníaca imortalizada na mitologia do Príncipe das Trevas. Além dessa guinada desnecessária, o roteirista ainda cometeu uma série de gafes e deixou furos enormes em seu roteiro, o que prejudicou bastante o resultado final da obra. Logicamente, a quase totalidade dos roteiros dos filmes de monstros produzidos pela Universal nesse período possuíam qualidade vista por muitos como duvidosa, ora se mostrando extremamente ingênuos, ora se revelando demasiadamente exagerados. Mas de qualquer forma, em “A Casa de Drácula” os problemas são excessivos. Senão, vejamos:
 
O filme começa com o Conde Drácula (John Carradine, interpretando pela última vez o personagem) rondando sorrateiramente a mansão do Dr Edelman (Onslow Stevens). No meio da madrugada, o vampiro surge e se apresenta ao renomado cientista como sendo o Barão Latos, mas logo revela sua verdadeira identidade, dizendo que quer a sua ajuda para tentar se livrar do mal que o torna um assassino, nesse caso, o vampirismo. Mesmo sem dar muita credibilidade ao estranho visitante, o Dr Edelman, movido pela sua natural curiosidade científica e reconhecida benevolência, permite que Drácula deixe seu caixão escondido no porão da mansão, e se dispõe a examiná-lo durante as noites.
 
No dia seguinte, é a vez de Larry Talbot (Lon Channey Jr) chegar a mansão em busca da ajuda do conceituado cientista. Porém, o Doutor se encontra ocupado atendendo Drácula (que para os demais usa o nome de Latos), e ao ser informado pela enfermeira Miliza (Martha O’Driscoll) que precisaria esperar horas até ser atendido, Talbot sai correndo desesperado. Até aqui, já se pode identificar dois grandes furos no roteiro, que consistem no fato de não haver nenhuma explicação para o ressurgimento de Drácula e de Larry Talbot, já que ambos foram dados como mortos no filme anterior. Até este filme, todos os anteriores demonstravam uma preocupação em seguir a cronologia da história, sempre estabelecendo ganchos entre uma aventura e outra para explicar o que aconteceu com os personagens, como eles morreram, como voltaram a vida e assim por diante. Dessa vez, nada foi explicado, e os dois personagens simplesmente reapareceram sem que fosse elucidado o que aconteceu com eles após os eventos do filme anterior. A única menção a esse passado é feita por Talbot, em um momento em que ele menciona “ter vindo da Vasaria”, local onde ocorreram os confrontos dos dois filmes anteriores. Ora, levando-se em conta que Lowe Jr escreveu também o roteiro do filme anterior, é de se supor que o sujeito foi acometido de grande falta de criatividade, ou preguiça, para não conseguir estabelecer uma conexão entre aquela história e essa.
 
Mas de qualquer forma, horas depois, o Dr Edelman recebe uma ligação do Inspetor Holtz (Lionel Atwill, de “O Filho de Frankenstein”, “O Fantasma de Frankenstein”, “Frankenstein encontra o Lobisomem” e “A Casa de Frankenstein”) pedindo para que ele compareça urgentemente na Delegacia de Polícia da aldeia. Ao chegar na Delegacia, o Doutor é informado que um homem maluco apareceu de repente armando um tumulto e exigindo ser preso. Sem alternativas para o comportamento agressivo do sujeito, o Inspetor Holtz acabou por realmente prendê-lo, e desconfiando da insanidade do pobre infeliz, julgou interessante chamar o Doutor. O tal sujeito é ninguém menos que Larry Talbot, que explica ao Dr Edelman que pediu para ser trancafiado, pois em breve a lua cheia surgirá e ele irá se transformar em lobisomem, o que, de fato, acaba acontecendo instantes depois. Surpreso e comovido com a sina de Talbot, o cientista pede para que o levem até a sua mansão no dia seguinte, e ele estudaria uma forma de ajudá-lo.
 
Após alguns exames, o cientista chega a uma inusitada conclusão, e explica para Talbot que o seu mal é decorrente de uma lesão no cérebro ocasionada por uma pressão irregular na formação craniana, que associada a sua própria crença de ser um lobisomem, provoca uma liberação de substâncias alteradas no organismo, que por fim acarretam a metamorfose física a qual ele sofre. O Dr Edelman explica também que um inovador tratamento com uma substância à base de fungos poderia ser a cura para o seu tormento. Inicialmente, Talbot se mostra empolgado, mas ao ser informado de que levaria bastante tempo para se obter resultados com o tratamento, acaba se desesperando, dizendo que não agüenta mais sofrer as transformações em lobisomem e, fora de si, se atira de um precipício que circunda a mansão, caindo no mar.
 
O Dr Edelman, sabendo da existência de cavernas no fundo do precipício, esculpidas pela ação do mar, acredita que Talbot possa ter sobrevivido e decide descer até lá para procurá-lo. Em tempo, o cientista estava com a razão, e encontra Talbot transformado em lobisomem no interior das cavernas, mas quase acaba perdendo a vida nesse encontro. O mais surpreendente é que nessa mesma caverna o doutor também encontra o corpo do Monstro de Frankenstein (Glenn Strange) e o esqueleto do maquiavélico Dr Niemann, que depois de terem submergido nos pântanos, no final do filme anterior, foram arrastados pela correnteza até ali. Mais uma vez, o roteiro derrapa feio, apresentando uma explicação pra lá de forçada para justificar a aparição do Monstro de Frankenstein por aquelas bandas.
 
Apesar de tudo, o perseverante Dr Edelman acaba convencendo Talbot a permanecer na mansão e tentar se submeter ao seu tratamento. Também tem a infeliz idéia de levar o corpo do Monstro de Frankenstein para o seu laboratório. Não é preciso ser muito esperto para saber que mais tarde a criatura será ressuscitada e causará muitos estragos. Para piorar, ainda ficamos sabendo que Drácula não está nem um pouco interessado em encontrar a cura para o vampirismo, mas sim usou essa desculpa apenas para freqüentar a mansão do cientista e poder se aproximar da enfermeira Miliza, que ele havia conhecido no passado, e a qual pretende transformar na sua princesa vampira. As coisas saem definitivamente de controle quando o pobre Dr Edelman acaba sendo contaminado com o sangue de Drácula, e se transforma em um misto de vampiro e cientista maluco. Com tantos monstros a solta em um mesmo lugar, o resultado não poderia ser outro além de morte e destruição.
 
Com esse enredo pouco consistente, o filme transcorre sem conseguir atingir o mesmo nível de diversão dos que o antecederam. É claro que existem bons momentos, e que, de maneira geral, o entretenimento fica garantido em função do fascínio exercido pelos personagens e pelo carisma de atores como Carradine, Chaney Jr e Strange. Mas só isso não é suficiente para salvar o filme. Até mesmo o trabalho cenográfico e a fotografia - sempre pontos altos dos filmes da Universal dessa época – aqui se mostram simplórios e sem muita inspiração. Além disso, o potencial dos personagens acaba sendo muito mal explorado, já que o Monstro de Frankenstein só parte para a quebradeira nos cinco minutos finais, o Lobisomem só ataca duas vezes e em cenas rápidas, e o Conde Drácula acaba se revelando um vilão mais frágil e bem menos ameaçador do que se poderia imaginar.
 
Se esse filme for interpretado como sendo o último da trajetória desses personagens, o que de fato era a intenção inicial da Universal, então há pelo menos um ponto positivo a ser destacado, uma vez que o destino reservado a cada personagem se revela coerente, e até redentor, no caso do atormentado Larry Talbot, cuja saga teria chegado ao fim.
 
Infelizmente, a ganância ainda faria com que a Universal colocasse esses personagens em cena mais uma vez em “Abbott e Costello encontram Frankenstein”, de 1948. Porém a grande maioria dos fãs não considera essa última obra como sendo parte da saga, primeiro por não se tratar de um filme de terror, mas sim de uma comédia, e depois pelo fato de que a história apresentada desconsidera completamente a trajetória, a cronologia e a mitologia dos personagens construídas nos filmes anteriores.

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