É impressionante como existem filmes capazes de despertar
sentimentos extremos e opostos na platéia que os assiste. Alguns
elogiam, ressaltam as virtudes da obra e se declaram seus fãs, enquanto
outros a denigrem e até se irritam com os que ousam elogiar o trabalho
por eles odiado. Nos deparamos com situações assim todos os dias, seja
na locadora da esquina, seja em comunidades de sites de relacionamentos
como o Orkut, ou em qualquer outro lugar onde um grupo de aficionados se
encontre para debater sobre filmes. São os casos em que se convencionou
rotular de “ame ou odeie”, uma vez que não costuma haver meio-termo
nessas circunstâncias. E exemplos não faltam, em especial entre os
gêneros de horror e suspense. Se formos fazer uma espécie de
retrospectiva, poderíamos iniciar pela década de 1980 e citar o
controverso “Cannibal Holocaust”, tido por alguns como um filme ousado,
inovador e chocante, enquanto para outros não passa de uma obra
extremamente apelativa e de mau-gosto. Na mesma década temos os filmes
da franquia “Sexta-feira 13”, capazes de despertar paixões extremas em
uma imensa legião de fãs, na mesma proporção em que estimula outros a
ressaltar suas falhas e classifica-los como toscos e desprezíveis. Na
década de 1990 temos “Pânico”, visto por alguns como um filme
revolucionário e “salvador da lavoura” do cinema de horror, enquanto
outros o classificam como um filme simplório, que apenas repete todos os
clichês já vistos em slasher-movies elaborados ao longo das décadas
anteriores. Na década atual, talvez tenhamos mais exemplos do que nunca,
com os filmes orientais sobre fantasmas vingativos (e seus sucessivos
remakes americanos), como “O Chamado”, “O Grito” e “Espíritos”, que
apavoram e empolgam uma grande quantidade de admiradores, enquanto
enfurecem e provocam atitudes de deboche em outra grande parcela de
expectadores. Poderíamos citar ainda como exemplos de obras que “se ama
ou se odeia” os filmes do cineasta e músico Rob Zombie (“A Casa dos 1000
Corpos”, “Rejeitados pelo Diabo” e “Halloween 2007”) que sempre geram
discussões acaloradas quando entram em pauta. Enfim, a lista de exemplos
poderia se estender durante muitas páginas.
Não por acaso, o filme que é o tema desse artigo também se
encaixa perfeitamente no grupo das obras mencionadas acima, pois tanto
no exterior quanto aqui no Brasil (onde foi lançado em DVD com o
ridículo título de “A Fera Assassina”, que prefiro nem utilizar) ele vem
recebendo uma enxurrada de críticas e elogios quase que na mesma
intensidade. Trata-se de “Big Bad Wolf”, filme de lobisomem lançado em
2006, roteirizado e dirigido por Lance W. Dreesen, de “A Casa do Terror
Tract” (Terror Tract, 2000). Mas, “afinal, o que torna o filme tão
controverso?” podem estar se perguntando alguns. É o que veremos a
partir de agora.
O filme inicia de forma muito promissora, mostrando Scott
Cowley (Andrew Bowen) e seu amigo Kenge (Martin Dorsla) caçando em uma
noite chuvosa nas selvas africanas. Por rádio eles se comunicam com
Charlie Cowley (Christopher Shyer), irmão de Scott, que está não muito
distante dali, e diz que seu parceiro de caçada simplesmente desapareceu
e agora ele está ouvindo barulhos assustadores na mata. Scott e Kenge
também passam a ouvir barulhos sinistros nos arbustos que os circundam e
não tarda para que sejam atacados por uma enorme e monstruosa criatura.
Kenge é morto rapidamente e Scott tem sua perna brutalmente arrancada
pelo monstro. Nesse instante, Charlie surge e alveja o monstro, que
corre para o interior da floresta. Mas já é tarde para salvar Scott, que
acaba morrendo nos braços do irmão.
A ação corta para sete anos depois, quando Derek Cowley, filho
do falecido Scott, está fazendo uma cópia da chave de um chalé
pertencente ao seu padastro Mitchell Toblat, onde ele pretende dar uma
festa para convencer um grupo de colegas da faculdade a lhe aceitarem
numa fraternidade. Aqui cabe destacar que o ator que interpreta Toblat é
ninguém menos do que Richard Tyson, canastrão que já atuou em mais de
50 filmes, dos mais variados gêneros, e que foi imortalizado pelo
personagem do temível bad boy Buddy Revell, no divertidíssimo
“Te pego lá fora” (Three O’Clock High, 1987), filme de enorme sucesso na
década de 1980 e que se tornou um clássico da “Sessão da Tarde” tendo
sido exibido e reprisado uma infinidade de vezes na TV brasileira.
Entre o grupo que vai participar da festa no chalé estão dois
casais formados por Jason (Adam Grimes) e Alex (Jason Alan Smith), dois
manés metidos a gostosões que só pensar em transar e encher a cara, e
suas respectivas namoradas, a interesseira Cassie (Sarah Smith) e a
bobinha Melissa (Robin Sydney). A contragosto, também vai com eles a
motoqueira Sam (Kimberly J. Brown), melhor amiga de Derek e ostentadora
de um visual rocker, com muito couro, piercings e maquiagens
pesadas. Depois de horas dirigindo sem conseguir encontrar o chalé, o
grupo para na beira da estrada para auxiliar um velho que está tendo
problemas com sua camionete. Sam, que é mecânica, logo identifica o
defeito e resolve o problema. Em retribuição, os jovens pedem para que o
velho lhes indique o caminho para o chalé, e este o faz, mas não sem
antes dar os tenebrosos avisos corriqueiros nesse tipo de filme, como
“vocês não deveriam ir para lá” e “quando anoitecer não saiam do chalé”.
Sem dar muita importância para as palavras do sujeito, o grupo segue o
caminho indicado e chegam ao chalé quando a lua cheia já está brilhando
no céu.
A festinha então tem início, e como manda a tradição, é movida
por muita bebida, música alta e insinuações eróticas. Apenas Derek e Sam
se encontram entediados e sem disposição para o agito.Um ponto
interessante a ser destacado até aqui, é que o filme vai se
desenvolvendo com um clima que de cara me lembrou o clássico “Um
Lobisomem Americano em Londres”, onde tudo acontece em meio a uma leve
dose de humor, mas ao mesmo tempo vai acrescentando em seu decorrer uma
tensão sutil, porém crescente, que deixa o espectador com aquela
sensação de algo ruim irá eminentemente ocorrer em breve. Em certa
altura, Alex e Melissa decidem dar um passeio ao luar e o aconchego de
uma grande árvore acaba se revelando um lugar propício para uma transa.
No quarto do chalé, Jason e Cassie também estão às voltas com as mesmas
idéias, embora para o desespero do rapaz, tudo que ele consegue da
namorada é uma sessão de sexo oral. Então temos a primeira das cenas que
realmente confirmam a intenção do diretor Dreesen em fazer uma
divertida homenagem a “Um Lobisomem Americano em Londres”, no momento do
primeiro ataque do monstro ao grupo de jovens, onde os enquadramentos, a
seqüência e a edição das cenas foram montadas de forma idêntica ao
primeiro ataque visto na obra de John Landis: Alex e Melissa percebem
que alguma coisa está os espreitando e os cercando na escuridão e
decidem voltar para o chalé o mais rapidamente possível. Quando começam a
andar, Alex cai no chão (com as calças nos tornozelos!) e quando
Melissa se volta para observá-lo é subitamente atacada pelo monstro, de
forma rápida e brutal. Alex consegue correr para o chalé, mas o
lobisomem o segue e rapidamente comete um grande massacre, com direito a
mutilações, sangue e tripas para todos os lados e até uma incômoda cena
de castração! Para se ter uma idéia da crueldade do lobisomem, ele
ainda estupra Cassie antes de rasgar a garganta da moça com suas garras!
A muito custo, apenas Derek e Sam conseguem fugir do massacre.
Na hora da dupla prestar depoimento na delegacia, temos a
segunda e definitiva homenagem a “Um Lobisomem Americano em Londres”,
quando entra em cena o ator David Naughton, astro do filme de John
Landis, e que aqui faz uma participação especial de poucos minutos,
interpretando o xerife Joe Ruben. Tudo isso acontece nos primeiros 25
minutos de filme. Desse ponto em diante, Derek e Sam passam a investigar
o caso na tentativa de descobrir a identidade do lobisomem, e as
suspeitas logo recaem sobre Mitchell Toblat, o padrasto do rapaz, uma
vez que Sam viu o carro dele estacionado nas imediações do chalé na
noite dos assassinatos. Depois que Charlie Cowley, tio de Derek, aparece
trazendo sua própria carga de suspeitas sobre Mitchell, a investigação
se torna mais intensa e mais perigosa, uma vez que o lobisomem não está
nem um pouco a fim de ser pego. Também se envolvem no caso um grupo de
estudantes e aspirantes a jornalistas, que ficam tentando realizar um
documentário sobre o massacre do chalé e não param de seguir Derek e
Sam. Na verdade, podemos identificar aqui mais uma homenagem aos filmes
dos anos 80, pois em “Te pego lá fora”, também protagonizado pelo ator
Richard Tyson, havia um grupo idêntico, que ficava tentando fazer um
documentário sobre a badalada luta do malvado Buddy Revell na saída da
escola. A conclusão da história vai levar todos de volta ao chalé, de
onde muito poucos sairão com vida.
Mas então, afinal de contas, porque tanta gente considera o
filme ruim? Em primeiro lugar, porque levam o filme muito a sério,
quando na verdade nem ele próprio faz isso. “Big Bad Wolf” é um filme
que segue os moldes da grande maioria das obras concebidas ao longo da
década de 1980, misturando terror e humor, e que por si só não devem ser
levadas a sério, como é o caso, por exemplo, de “A Hora do Espanto”, “A
Volta dos Mortos-vivos” e o supracitado “Um Lobisomem Americano em
Londres”. Seriedade e coerência certamente não são os elementos
predominantes desses filmes, mas isso não faz com que eles deixem de ser
extremamente divertidos. E com “Big Bad Wolf” não é diferente.
Porém, na visão daqueles que abominam essa obra, o maior
problema parece ser mesmo o lobisomem. Muitos dizem que a caracterização
do monstro é muito tosca, e em partes isso é verdade. Com certeza, o
licantropo desse filme não se compara aos de “Grito de Horror” ou de “Um
Lobisomem Americano em Londres”, mas isso não é justificativa
suficiente para desmerecer a obra, uma vez que os lobisomens de filmes
como “Cães de Caça” e “Possuída”, também deixam bastante a desejar em
termos de caracterização, e mesmo assim a grande maioria dos fãs de
filmes das criaturas licantrópicas consente que se trata de trabalhos
muito divertidos e marcantes. Mas o detalhe que mais desperta o ódio nos
detratores do filme é o fato de que o lobisomem fala. Isso mesmo, ele
fala! E isso torna o filme ruim? Pra mim não. Primeiro, porque não está
escrito em nenhum lugar que os lobisomens não possam falar. Ao longo do
tempo, os lobisomens usaram roupas (“O Lobisomem”, “O Lobisomem de
Londres”), se transformavam quando bem entendiam, inclusive de dia
(“Grito de Horror”), foram quadrúpedes (“Um Lobisomem Americano em
Londres”), se transformavam de forma progressiva e permanente (trilogia
“Possuída”) e tiveram inúmeras outras variações. Era questão de tempo
até alguém ter a idéia de acrescentar essa “inovação”, mesmo que isso
não signifique lá grande coisa. Até porque, as coisas que o lobisomem
fala se resumem a ameaças irônicas e debochadas, no melhor estilo Freddy
Krueger, o que acaba realçando a crueldade do mostro. Por exemplo: no
inicio, quando alguns personagens estão trancados no chalé, com o
lobisomem pelo lado de fora, ele grita “Porquinhos, porquinhos...abram a
porta e me deixem entrar ou eu mesmo irei derruba-la!”. Em outro
momento, uma turma de jovens foge do monstro e se tranca em um certo
aposento. Ao chegarem lá, se dão conta que uma das moças ficou para
trás. Então, pode-se ouvir a voz do lobisomem gritando: “Podem se
esconder, que eu irei achar vocês! Mas antes vou me divertir um bocado
com essa loirinha que vocês perderam no caminho!”. Em seguida, ouve-se
os gritos desesperados da pobre garota. Enfim, na minha humilde opinião,
o fato do monstro falar não prejudica o filme em absolutamente nada.
Além disso, o diretor Dreesen se mostrou corajoso ao incluir no
seu filme muito gore, com sangue e tripas em profusão, cenas de
mutilação, esquartejamento, castração e violência psicológica,
misturando a isso doses significativas de sexo, já que temos duas cenas
onde personagens aparecem fazendo sexo oral, além da já mencionada cena
de estupro e uma outra transa mais “convencional”. Ou seja, não se trata
de um filme feito para qualquer público, mas sim para os já iniciados
no gênero.
“Big Bad Wolf” ainda tem outras virtudes, como o fato de todas
as atrizes, sem exceção, serem bonitas e sensuais, possuiu uma trilha
sonora muito legal, e ainda ganha pontos pelo final extremamente irônico
e condizente com o restante do filme, e que deixa o gancho para uma
eventual seqüência, embora, se isso vier de fato a acontecer, deverá
conduzir a história sob outra perspectiva.
Para finalizar, recomendo que assistam ao filme e decidam se
farão parte do grupo que ama ou do grupo que odeia essa obra. De minha
parte, pertenço ao primeiro grupo, uma vez que considero “Big Bad Wolf”
não apenas um dos melhores filmes de lobisomem feitos na década atual
como também uma divertidíssima obra de terror em termos gerais.
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