Na virada dos anos 1960 para 1970, a cultuada produtora
inglesa Hammer, que há duas décadas vinha se mantendo como a principal
expoente no que se refere à produção de filmes de horror e suspense,
começou a entrar em decadência. O desgaste da fórmula utilizada
exaustivamente durante muitos anos fez com que, com o passar do tempo,
seus filmes perdessem qualidade, e conseqüentemente, não conseguissem
mais obter o sucesso e o retorno de outrora. Com isso, muita gente –
atores, diretores e produtores – começou a cair fora, na tentativa de
reencontrar o sucesso trabalhando sob um novo teto.
Tentando tirar proveito da situação, um jovem empreendedor
chamado Kevin Francis decidiu fundar sua própria produtora, a “Tyburn
Films”. Infelizmente, a nova produtora também não conseguiu ser muito
bem-sucedida, concebendo alguns poucos filmes antes de fechar suas
portas. Porém, entre as suas produções se encontra um belo filme de
lobisomem, chamado laconicamente de “A Lenda do Lobisomem” (Legend of
The Werewolf, 1975). Para dirigir esse filme, Kevin Francis chamou
ninguém menos do que o seu próprio pai, Freddie Francis, que trabalhou
muitos anos na Hammer, dirigindo uma enorme quantidade de filmes, sendo
que muitos deles chegaram a ser lançados no Brasil, como por exemplo “O
Monstro de Frankenstein” (The Evil of Frankenstein, 1964), “Cilada
Diabólica” (Nightmare, 1964) e “Drácula – O Perfil do Diabo” (Dracula
Has Risen From the Grave, 1968). Para interpretar o personagem
principal, foi contratado um dos mais emblemáticos atores da história do
cinema de horror, o grande Peter Cushing, astro de dezenas de filmes
memoráveis como os clássicos “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of
Frankenstein, 1957), “O Vampiro da Noite” (Horror of Dracula, 1958) e “O
Cão dos Baskervilles” (The Hound of The Baskervilles, 1959), para citar
apenas alguns.
Mas não foi só isso. Para escrever o roteiro, foi contratado
Anthony Hinds, mais um egresso da Hammer, que sob o pseudônimo de John
Elder, roteirizou várias obras clássicas como “Drácula – O Príncipe das
Trevas” (Drácula – Prince of Darkness, 1966), “O Beijo do Vampiro” (The
Kiss of The Vampire, 1963) e “A Maldição do Lobisomem” (The Curse of The
Werewolf, 1961). E por falar em “A Maldição do Lobisomem”, é notável
que esse filme foi a grande fonte de inspiração para a concepção de “A
Lenda do Lobisomem”. Em primeiro lugar, ambos os filmes foram livremente
baseados no livro “The Werewolf of Paris”, de Guy Endore, embora cada
uma das películas priorizasse elementos distintos da obra literária.
Para o filme de 1975, o roteirista Hinds ainda utilizou elementos de
outro livro chamado “The Wild Child”, de Francois Truffaut,
principalmente na parte inicial.
Mas além do roteiro, também existem outras similaridades entre
“A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, principalmente no
que se refere à direção, onde Francis parece ter se inspirado no
trabalho do diretor Terence Fisher, utilizando também os recursos de
narração em off no início, os saltos no tempo para situar a ação em
diferentes períodos e a estratégia de mostrar o lobisomem indiretamente
na maior parte do filme, optando por revelá-lo completamente apenas nos
ataques finais. Inclusive, o visual do lobisomem é muito parecido com
aquele de “A Maldição do Lobisomem”, evidenciando uma criatura bípede,
com o corpo coberto por uma camada de pêlos e preservando pelo menos
parte das vestimentas, mãos convertidas em garras e face monstruosa,
misturando feições híbridas de homem e lobo.
Provavelmente, a maior sacada do diretor Freddie Francis foi
ter conferido ao seu filme um visual bastante sombrio e obscuro, o que o
torna mais perturbador do que o filme de Fisher. Além disso, em “A
Lenda do Lobisomem” temos muito mais mortes, várias delas on-scream, e
com doses de sangue e violência que até então não eram vistas nos filmes
de lobisomem anteriores. Francis também utilizou um interessante
recurso de câmera em primeira pessoa para simular a perspectiva de visão
dos lobos, e depois do lobisomem, onde a imagem adquire uma tonalidade
avermelhada, num efeito simples, porém eficiente.
Pois bem, depois dessa longa introdução de contexto e
bastidores, vamos à história: O filme começa nos mostrando um grupo de
camponeses pobres migrando através de uma sombria floresta no interior
da França, sendo espreitados à distância por uma alcatéia de lobos, em
algum momento do século XIX. Então, uma mulher grávida começa a sentir
as dores do parto, e na iminência de dar à luz, acaba ficando para trás
com seu marido, enquanto os outros amedrontados camponeses seguem viagem
pela mata. O bebê nasce, mas a mulher acaba morrendo durante o parto,
deixando o marido sozinho com a criança. De repente, um grupo de lobos
surge da escuridão e ataca o homem, devorando-o. Por algum motivo, o
bebê recém-nascido é poupado pelas feras, e passa a viver em meio à
alcatéia.
Um salto no tempo de alguns anos nos apresenta a carroça do
Maestro Pamponi (Hugh Griffith, de “O Abominável Dr Phibes” e “A Câmara
de Horrores do Dr Phibes”) atravessando a floresta. Trata-se de um grupo
itinerante de artistas velhos, pobres e decadentes, que se apresentam
em vilarejos do interior da França para conseguir alguns trocados. Então
Tiny (Norman Mitchell), um misto de músico e assistente do Maestro
Pamponi, é incumbido de ir caçar para tentar providenciar algo para a
janta, uma vez que o grupo acamparia na floresta durante noite. A
principio, Tiny é bem sucedido, abatendo uma lebre. Mas antes que ele
possa recolher sua caça, um menino (Mark Weavers) surge da mata, pega o
animal e passa a devorá-lo. Quando tenta fugir, acaba recebendo um tiro
na perna disparado por Tiny, que depois de uma breve luta, acaba
arrastando-o para o acampamento. Com poucos escrúpulos, o Maestro
Pamponi decide usar o selvagem garoto como uma das atrações de seu
bizarro espetáculo mambembe, apresentando-o em uma jaula como “O
Garoto-lobo”.
Com o passar dos anos, o garoto vai se familiarizando com o
convívio de Pamponi e sua turma, e com isso vai ficando mais civilizado
(mas não muito), e passa a participar também de outras atrações do
espetáculo, fazendo acrobacias. No auge da juventude, Etoile (David
Rintoul), como foi batizado, já quase não se assemelha mais com aquele
menino agressivo e animalesco que era na época em que foi encontrado
pelos artistas. Porém, junto com a juventude, com o aflorar de novos
sentimentos e emoções, também passou a ter vazão em Etoile o seu lado
animalesco que estava reprimido e adormecido em seu interior. Dessa
forma, em uma noite, enquanto dormia sob o luar, o rapaz se transforma
em lobisomem e rasga a garganta de seu amigo Tiny. Ao ser descoberto, na
manhã seguinte, acaba abandonando apavoradamente o grupo de Pamponi, e
foge para Paris. Como se pode ver, aqui está mais uma semelhança entre
“A Lenda do Lobisomem” e “A Maldição do Lobisomem”, já que em ambos os
filmes a explicação para a origem da criatura licantrópica é obscura,
incerta e muito pouco convincente. Pelo visto, nas décadas de 1960 e
1970 esse tipo de detalhe não era considerado lá muito relevante.
Ao chegar na periferia de Paris, Etoile logo é atraído para um
pequeno e precário jardim zoológico que funciona nas imediações, mais
especificamente pela jaula dos lobos, com os quais logo faz amizade. É
então que aparece o zelador do zoológico (Ron Moody), um velho beberrão e
solitário, que convida Etoile para ficar no zoológico, trabalhando na
limpeza e no trato dos animais. Sem muitas opções, o rapaz aceita. Surge
então um grupo de prostitutas que trabalha em um bordel localizado nos
proximidades, e que freqüentemente vem até o zoológico passear e dar
comida para os bichos. Entre as moças, se destaca Christine (Lynn
Dalby), que logo desperta a paixão do jovem Etoile.
Os dias passam e Etoile é constantemente repelido por
Chistine, que diz querer apenas manter uma amizade com ele. Então,
quando a lua cheia volta a surgir, o rapaz se transforma novamente em
lobisomem e começa a fazer vítimas pelas redondezas, se esgueirando
pelos becos e galerias de esgotos, atacando clientes do bordel, mendigos
e prostitutas.
Somente depois já ter transcorrido mais de meia hora de filme é
que surge em cena o Professor Paul (Peter Cushing), que trabalha no
necrotério local, e com sua perspicácia nas autópsias ajuda a polícia a
desvendar diversos crimes. Quando os corpos mutilados das pessoas
atacadas pelo lobisomem começam a chegar no necrotério, as suspeitas do
Prof. Paul e seus assistentes recaem inicialmente sobre possíveis (porém
inusitados) ataques de um lobo. Intrigado, o professor começa a
empreender uma investigação por conta própria, e sabendo que a presença
de um lobo em plena Paris é algo muito remoto, acaba chegando até o
zoológico onde trabalha Etoile, para se certificar de que nenhum animal
fugiu de lá. Mesmo recendo uma resposta negativa, o enxerido professor
continua rondando e investigando pelas redondezas, e à medida que os
crimes se sucedem a cada lua cheia, começa a ganhar força a idéia de que
algo muito pior do que um lobo anda atacando os andarilhos solitários
nas escuras ruas da periferia de Paris. Dessa forma, um encontro entre o
Professor Paul e o lobisomem não tardará a acontecer.
De uma maneira geral, “A Lenda do Lobisomem” é um filme que
tem muito mais acertos do que erros. A caracterização do monstro é
condizente com o que se fazia na época, e as transformações utilizam os
já conhecidos métodos de sobreposição e seqüência de cortes de imagem.
Apesar da limitação de recursos, a ambientação do filme também ficou
satisfatória, retratando a periferia de Paris como ela realmente deve
ter sido no século XIX, degradada, suja e sinistra, freqüentada em
abundância por bêbados, mendigos e prostitutas. As atuações do elenco,
se por um lado estão longe de serem brilhantes, por outro não
comprometem. O diferencial, como era de se esperar, fica por conta de
Peter Cushing, cujo talento dispensa maiores comentários. As cenas em
que o lobisomem aparece atacando suas vítimas, apesar de curtas, também
ficaram legais, com destaque para a cena com o mendigo nas galerias do
esgoto, próximo do final. E têm ainda a trilha sonora, que na minha
opinião, é uma das melhores já compostas para um filme de lobisomem.
Porém, o grande aspecto negativo do filme é a sua direção
irregular. O filme começa promissor, mostrando a primeira parte da
história com dinamismo e eficiência. Mas depois que Etoile chega a
Paris, o filme fica lento, calcado basicamente em diálogos (alguns
enfadonhos), sendo entrecortados por algumas rápidas aparições do
lobisomem. Apenas nos 20 minutos finais é que a ação deslancha, fazendo
com que o filme se torne novamente empolgante.
Infelizmente, esse filme nunca foi lançado em DVD, nem no
exterior. No Brasil chegou a sair em VHS e talvez ainda seja possível de
se encontrar em alguma locadora com acervo mais antigo, ou em sebos. Um
artigo raro, mas que vale a pena ser conhecido.






































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