Lon Chaney Jr.: o Monstro que criou o Homem

 
As décadas de 1930 e 1940 tiveram uma importância seminal para o despertar da bela e sombria história do cinema de horror, o que não é novidade nenhuma para os fãs do gênero. Foi nesse período, através do Estúdio Universal Pictures, que foram concebidos clássicos à prova do tempo como “Frankenstein”, “Drácula”, “A Noiva de Frankenstein”, “O Lobisomem”, “O Homem Invisível” e “Frankenstein encontra o Lobisomem”, para citar apenas alguns. Foi também durante essas décadas que diretores oriundos do teatro, e até então pouco conhecidos, foram alçados à fama como Tod Browning, Erle C. Kenton e James Whale. Da mesma forma, esses foram os anos de ouro para uma série de atores que atingiram o estrelato interpretando personagens inesquecíveis, e com o passar do tempo se consolidaram como verdadeiras lendas da sétima arte, como os cultuados Bela Lugosi, Boris Karloff, e aquele que é o foco deste artigo - Lon Chaney Jr – cuja trajetória será brevemente relembrada.
 
Nascido em 10 de fevereiro de 1906, em Oklahoma City (EUA), Creighton Tull Chaney era filho de ninguém menos que Lon Chaney, grande astro do cinema mudo, conhecido como “O Homem das Mil Faces” e imortalizado através de filmes como “O Corcunda de Notre Dame”, “O Fantasma da Ópera” e “London After Midnight”. Sua mãe era Francis Cleveland Creighton – ou Cleva, como era mais conhecida - uma cantora e dançarina que Lon conheceu durante uma temporada de shows em Oklahoma City, e com quem viria a se casar em seguida. Porém, de acordo com as fontes consultadas, o relacionamento entre Lon e Cleva nunca foi dos melhores, e piorou drasticamente depois que o casal se mudou para a Califórnia, onde Lon buscava a consolidação da sua carreira de ator, e Cleva de cantora. A gota d’água para a completa deterioração do casamento dos dois aconteceu em 1913, quando Cleva ingeriu uma grande quantidade de veneno, tentando suicídio. O escândalo se tornou público e repercutiu negativamente para a carreira dos dois, mais ainda para Cleva, que em função da ingestão do veneno, teve lesões irreversíveis nas cordas vocais, o que pôs fim na sua emergente carreira de cantora. Desiludido com a situação, Lon Chaney pediu o divórcio, que se consolidaria no ano seguinte. Com isso, a Justiça Norte-americana determinou que o pequeno Creighton, então com oito anos, deveria ficar sob os cuidados de uma instituição destinada a abrigar crianças órfãs ou filhos de pais separados, e o menino permaneceu lá até o final de 1915, quando Lon se casou pela segunda vez, agora com Hazel Hastings, e então Creighton pode voltar a morar com o pai.
 
Desde cedo Creighton se sentiu atraído pela profissão do pai, e o fascínio pela arte de interpretar o levou a desempenhar papéis em peças de teatro infanto-juvenis e até pontas não-creditas em filmes mudos. Contudo, apesar da insistência do rapaz, o velho Lon se recusava a usar sua influência para abrir portas ao filho no meio artístico, pois tinha a convicção de Creighton deveria ter um emprego convencional, cuja estabilidade não lhe trouxesse as dificuldades e provações as quais os aspirantes a atores da época eram submetidos. Mesmo contrariado, Creighton seguiu a vontade do pai, e ao longo dos anos trabalhou como modelo, jornaleiro, açougueiro, vendedor de roupas e até vendedor de sorvetes.
 
Em 1926, Creighton se casou com Doroty Hinckley, com quem teve dois filhos, Lon Ralph Chaney, nascido em 1928, e Ronald Creighton Chaney, nascido em 1930. E foi justamente em 1930 que o grande Lon Chaney veio a falecer, vitima de câncer. Na época, Creighton tinha um negócio de consertos de encanamentos, mas com a morte do pai, sentiu-se livre e novamente tentado a investir na carreira de ator.
 
Entre 1931 e 1935, Creighton Chaney participou de quase duas dezenas de filmes, quase sempre fazendo pontas ou interpretando papéis secundários. Em todo estúdio onde ele se apresentava em busca de trabalho, havia alguém lhe sugerindo que mudasse o nome para Lon Chaney Jr, em uma evidente iniciativa de forçar uma relação com a brilhante imagem de seu pai, mas isso era algo que ele vinha se recusando veementemente. Porém, cansado dos papéis insignificantes e das pressões da indústria cinematográfica, Creighton acaba cedendo à vontade dos estúdios, e a partir de 1936 os créditos dos filmes dos quais participava não traziam mais o nome de Creighton Chaney, mas sim Lon Chaney Jr, alcunha com a qual finalmente atingiria o estrelato.
 
Na mesma época em que a mudança de nome começou a lhe abrir mais portas no meio cinematográfico, o ator - agora conhecido como Chaney Jr – passou a ter um caso com uma bela modelo chamada Patrícia Beck, o que acabou pondo fim no seu casamento de dez anos com Doroty Hinckley. Chaney Jr e Patrícia se casaram em 1937, e permaneceram juntos até a sua morte.
 
O primeiro grande passo de Chaney Jr rumo a consagração ocorreu em 1939, ocasião em que interpretou o deficiente mental Lennie no drama “Ratos e Homens” produzido pelo Estúdio Hal Roach. O filme foi um grande sucesso de público e crítica, sendo que a atuação de Chaney Jr chamou a atenção de todos, fazendo com que surgissem as primeiras inevitáveis comparações com o talento do pai. Em 1941, Chaney Jr foi contratado pela Universal e estrelou “Man Made Monster”, um filme de cientista maluco dirigido por George Waggner. O próprio George Waggner produziria e dirigiria no mesmo ano “O Lobisomem”, onde Chaney Jr interpretaria pela primeira vez o papel de Larry Talbot, O Lobisomem, personagem com o qual o ator atingiria o ponto máximo de popularidade e com o qual viria a conquistar uma legião de fãs que passariam a reverenciá-lo como um dos grandes intérpretes do cinema de horror, ao lado dos já mencionados Bela Lugosi e Boris Karloff.
 
No ano seguinte, Chaney Jr interpretaria o Monstro de Frankenstein, no quarto filme da famosa franquia protagonizada pelo personagem criado por Mary Shelley, intitulado “O Fantasma de Frankenstein”. Esse filme marca a primeira parceria de Chaney Jr com o diretor Erle C. Kenton, com quem ele voltaria a trabalhar em outras obras clássicas como “A Casa de Frankenstein” e “A Casa de Drácula”. Ainda em 1942, o ator interpretaria Kharis, A Múmia, no filme “The Mummy’s Tomb”, primeira parte de uma trilogia, seguida por “The Mummy’s Ghost” e “The Mummy’s Curse”, ambos de 1944
 
Em 1943, no auge do sucesso, Chaney Jr faria o papel de mais um ícone do horror, nesse caso, o Conde Drácula, no filme “O Filho de Drácula”. Foi também nesse mesmo ano que ele voltou a interpretar Larry Talbot, o personagem que o consagrou, no fantástico “Frankenstein encontra o Lobisomem”. Na seqüência vieram os outros filmes onde ele repetiria esse papel, sendo respectivamente “A Casa de Frankenstein” (1944), “A Casa de Drácula” (1945) e a comédia “Abbott e Costello encontram Frankenstein” (1948), todos entremeados por outros vários trabalhos menos significativos. É interessante observar que, embora tenha interpretado os três monstros sagrados das franquias da Universal – Drácula, Monstro de Frankenstein e Lobisomem – além de outros menos expressivos, como a Múmia, foi quase que exclusivamente o personagem do Lobisomem o responsável pela “imortalidade” da obra do ator, pois dez em cada dez fãs logo lembram do alter-ego do atormentado Larry Talbot sempre que o nome de Chaney Jr é mencionado. Tanto que o próprio ator sempre fez questão de deixar clara sua opinião, dizendo que o Lobisomem era o melhor personagem que já havia interpretado.
 
Aqui cabe salientar que, se por um lado a década de 1940 marcou o ponto alto da carreira de Lon Chaney Jr, onde ele interpretou seus papeis mais importantes e obteve maior retorno em termos de reconhecimento e popularidade, por outro, representou também a consolidação da sua fama de temperamental e encrenqueiro, ao mesmo tempo em que os sinais de seu alcoolismo passaram a ficar mais evidentes. O historiador de cinema Tom Weaver - que realizou um longo estudo sobre a vida e obra de Chaney Jr – diz que durante as filmagens de “O Lobisomem” o ator em mais de uma ocasião encheu a cara e destruiu o camarim a ele destinado. Também menciona o caso em que, durante um jantar oferecido pela Universal aos participantes desse mesmo filme, Chaney Jr saiu na porrada com o marido da atriz Evelyn Ankers, por quem ele nutria uma declarada antipatia.
 
Mas as brigas mais emblemáticas foram com o maquiador Jack Pierce. Em praticamente todos os documentários que assisti sobre Chaney Jr é mencionado o fato de que ele e Pierce viviam trocando desaforos, se ameaçando, e por diversas vezes foi necessária a intervenção de outras pessoas para impedir que eles partissem para a agressão física. Pelo que consta, Pierce, além de um profissional brilhante, era também um homem excêntrico, autoritário e debochado, que costumava xingar e zombar dos atores que se submetiam as suas maquiagens. Quando passou a trabalhar com um cara com fama de esquentado e fanfarrão como Chaney Jr, era fácil prever que seria só uma questão de tempo até as brigas começarem. E isso aconteceu com tal intensidade que, ainda segundo Tom Weaver, depois de “A Casa de Frankenstein”, Pierce passou a se recusar a trabalhar com Chaney Jr, que, por sua vez, adotou a mesma postura. Por isso consta que, embora a Universal não confirme, a partir de “A Casa de Drácula” já não era mais Pierce que maquiava o ator, mas sim os seus assistentes.
 
Outro caso bastante lembrado foi quando Chaney Jr tentou se suicidar em meados de 1948. Tempos depois, quando questionada sobre o assunto, a esposa do ator disse que ele estava muito desgastado física e emocionalmente pelas estafantes sessões de maquiagem e filmagem de “Abbott e Costello encontram Frankenstein”. Porém, sabe-se que suas crises depressivas estavam diretamente relacionadas aos seus constantes abusos no consumo de bebidas alcoólicas.
 
De qualquer forma, a partir da década de 1950, quando seu contrato com a Universal acabou, Chaney Jr continuou trabalhando para os mais diversos estúdios, atuando em comédias, aventuras, westerns, e, logicamente, terror e suspense, embora sem nunca obter o mesmo êxito dos anos dourados da década de 1940. No final das contas, em cerca de 40 anos de profissão, Chaney Jr atuou em mais de 150 filmes, somando-se ainda aproximadamente 60 aparições em séries e programas de televisão. Seu último filme foi “Drácula vs Frankenstein”, de 1971, onde interpretou Groton, o maluco e deformado assistente do Dr Frankenstein.
 
Nos últimos anos de sua vida, Chaney Jr já estava bastante debilitado em função de um câncer de garganta e também da beribéri, doença agravada pelo seu alcoolismo. Veio a falecer com um ataque cardíaco em 12 de julho de 1973, na cidade de San Clemente, na Califórnia. Como último pedido, solicitou aos seus familiares que doassem seu corpo para a Universidade de San Clemente, com a finalidade de ser útil para as pesquisas que poderiam vir a ajudar outras pessoas portadoras das doenças que o vitimaram. Um último gesto nobre de um ídolo que será para sempre lembrado em imagens em preto-e-branco de obras-primas que vêm perpetuando seu legado através das gerações.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Drácula vs Frankenstein (1971)
La Casa del Terror (1960)
The Cyclops (1957)
The Indestructible Man (1957)
Abbott e Costello encontram Frankenstein (1948)
A Casa de Drácula (1945)
A Casa de Frankenstein (1944)
The Mummy’s Curse (1944)
The Mummy’s Ghost (1944)
Calling Dr Death (1943)
O Filho de Drácula (1943)
Frankenstein encontra o Lobisomem (1943)
The Mummy’s Tomb (1942)
O Fantasma de Frankenstein (1942)
O Lobisomem (1941)
Man Made Monster (1941)
Ratos e Homens (1939)

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