Acredito que poucas coisas possam geram um sentimento de
frustração tão grande quanto à experiência de ver algo começar de forma
promissora, revolucionária até, e terminar de maneira medíocre e
decepcionante. Infelizmente, é essa a sensação que fica após assistirmos
“Abbott and Costello Meet Frankenstein” (Abbott e Costello Encontram
Frankenstein - 1948), último filme da Universal a apresentar os seus
monstros sagrados: Drácula, Larry Talbot, o Lobisomem, e o Monstro de
Frankenstein. Sim, depois de explorar a exaustão a imagem dessas
criaturas ao longo de praticamente duas décadas, conseguindo assim fugir
da falência que vitimou boa parte dos estúdios cinematográficos
americanos durante a Grande Depressão, a Universal lhes destinou um
final inglório, envolvendo-os em uma comédia ultrajante, mas
infelizmente nada engraçada.
Bud Abbott e Lou Costello eram uma dupla de conceituados
comediantes que se apresentava em teatros pelos quatro cantos dos EUA,
inclusive na Brodway. Um programa de rádio apresentado por eles no
início da década de 1940 fez tanto sucesso que motivou a Universal a
apostar na dupla como sucessores de “O Gordo e o Magro”, levando-os para
protagonizar suas trapalhadas no cinema. Os dois ainda ganharam uma
série de TV chamada “Abbott e Costello Show”, que chegou a ser exibida
no Brasil durante a década de 1970. Nesse meio tempo, ao longo de mais
de 20 anos de carreira, a dupla protagonizou dezenas de
longas-metragens, interpretando os mais diversos personagens e vivendo
as mais variadas aventuras. Um desses filmes foi justamente “Abbott e
Costello encontram Frankenstein”, lançado em 1948, e considerado pelos
fãs dos comediantes como sendo uma das obras mais divertidas
protagonizadas pelos inseparáveis amigos.
Devo confessar que nunca assisti a outro filme de Abbott e
Costello além desse, mas se de fato, este aqui for um dos mais
divertidos, então não pretendo assistir mais nenhum. Talvez eu esteja
sendo um pouco exagerado, por não ser fã de comédias, ou talvez esteja
sendo demasiadamente rabugento por estar contrariado com o tratamento
destinado aos monstros nesse filme, mas a verdade é que não dei sequer
uma risada ao longo dos 80 minutos de sua duração. Acredito que na
longínqua década de 1940 as piadas e as gags de Abbott e
Costello até pudessem ser engraçadas, mas vistas hoje em dia fazem com
que as tiradas da turma do “Chaves” pareçam algo do tipo genial. E o
pior é que se o filme tivesse sido desenvolvido com uma abordagem séria,
poderia ter tido ótimos resultados, uma vez que o elenco possuía além
de Lon Chaney Jr e Glenn Strange também o astro Bela Lugosi repetindo
seu inesquecível papel de Conde Drácula, a cenografia voltou a receber
maiores cuidados e com isso novamente podemos vislumbrar belíssimas
imagens ao longo do filme, e mesmo os efeitos especiais mostram sensível
avanço em relação aos filmes anteriores. Até mesmo a história abordada
tinha potencial para render um roteiro que, com alguns ajustes, poderia
se tornar envolvente e interessante. Confira:
Chick (Abbott) e Wilbur (Costello) são dois atrapalhados
funcionários do serviço postal norte-americano. Certo dia, atendem uma
ligação de Londres, dizendo que, se recebessem algumas caixas
endereçadas a um tal de Senhor McDougal (Frank Ferguson), não deveriam
entregar sob hipótese alguma. O sujeito do outro lado da linha é Larry
Talbot (Lon Chaney Jr) e diz que chegaria aos EUA em poucos dias e então
explicaria tudo.
Tão logo Wilbur desliga o telefone, o Senhor McDougal chega e
exige a liberação de suas encomendas, dizendo que é dono de um Show de
Horrores e que acaba de comprar diretamente da Europa os cadáveres do
Monstro de Frankenstein e do Conde Drácula. Sem alternativas, Chick e
Wilbur liberam as caixas, e ainda se comprometem em entregá-las no
prédio que hospeda o tal Show de Horrores. Nesse meio tempo, conhecemos
Sandra (Lénore Aubert), a linda namorada do feioso Wilbur, e assim como
os demais personagens, não entendemos como ela pode se interessar por um
cara tão chato e maluco.
Durante a noite, quando os dois amigos vão entregar as caixas
no Show de Horrores do Sr McDougal, ocorrem uma série de trapalhadas e
confusões e o Conde Drácula (Lugosi) e o Monstro de Frankenstein
(Strange, interpretando pela última vez o personagem), que estavam
escondidos nas caixas, acabam fugindo. Wilbur vê tudo, mas logicamente
ninguém acredita nele, e juntamente com Chick, acaba preso, acusado de
roubar o conteúdo das caixas.
No dia seguinte, alguém paga a fiança e libera a dupla de
trapalhões, embora nem eles saibam que foi o responsável pela boa ação.
Então surge Larry Talbot, recém chegado de Londres, e explica que tudo
não passa de um plano de Drácula, que veio para os EUA à procura de um
cientista que possa revigorar o já bastante debilitado Monstro de
Frankenstein, a fim de torná-lo o escravo perfeito – forte,
indestrutível e submisso. Talbot também revela que é um lobisomem, e que
vem seguindo Drácula há muito tempo na tentativa de destruí-lo. Wilbur
acredita em Talbot, mas Chick pensa que tudo não passa de loucuras e se
nega a ajudá-los.
Mais tarde, ficamos sabendo que Sandra, namorada de Wilbur, é a
cientista que Drácula veio procurar, e que ela só finge estar namorando
o abobalhado funcionário do serviço postal porque pretende seqüestrá-lo
e retirar seu cérebro de idiota para transplantar no Monstro de
Frankenstein. Depois de mais algumas confusões e piadas sem lá muita
graça, todos acabam se encontrando em uma festa à fantasia, onde ocorrem
brigas e quebra-quebra, e no final das contas Wilbur acaba sendo
seqüestrado e levado para a ilha de Drácula, onde a Dr Sandra pretende
realizar o sinistro transplante cerebral. Caberá então a Talbot e Chick
partir para lá na tentativa de salvar o amigo.
Quem assistiu aos filmes anteriores envolvendo os monstros
clássicos, logo perceberá que essa história nada tem a ver com as outras
obras, pois desconsidera completamente o passado dos personagens, sua
mitologia e sua cronologia, sendo uma espécie de aventura avulsa, onde
os monstros são mero pretexto para atrair a atenção dos fãs. Mas esse
não seria um problema assim tão grave, já que o filme anterior, “A Casa
de Drácula”, também desconsiderava certos elementos da trajetória dos
personagens. O ponto crítico do filme é o fato de ele ser assumidamente
uma comédia, destinada aos fãs de Abbott e Costello, e não aos fãs dos
monstros e de filmes de terror. Tanto que o diretor Charles Barton e os
roteiristas Robert Lees, Frederic Rinaldo e John Grant (sim, três
roteiristas!) eram especialistas em filmes de humor e aventura, sem
nenhuma experiência no gênero horror. Por isso é que fica tão difícil de
gostar dessa obra, pois é deprimente ver o grande Drácula de Lugosi
brincando de esconde-esconde com Wilbur, ou o sempre voraz Lobisomem
sendo feito de bobo e trancafiado num simples quarto de hotel.
O filme só não é uma decepção total porque nos 20 minutos
finais, quando Talbot e Chick invadem o castelo na ilha do Drácula, aí a
coisa finalmente engrena e temos muito corre-corre e lutas entre os
monstros, o que parece deixar claro que se o diretor Charles Barton
tivesse investido um pouco mais na ação e menos nas piadinhas bestas,
poderíamos ter tido um filme bem mais divertido. Provavelmente a maior
virtude do filme é fazer com que o Monstro de Frankenstein tenha
bastante tempo e espaço para perpetuar a sua destruição, fazendo até com
que nos lembrássemos dos bons tempos de seus filmes solo, uma vez que
nos crossovers ele sempre teve papel de coadjuvante, recebendo
muito pouco destaque. Larry Talbot também tem papel central na trama, e o
lobisomem entra em ação diversas vezes, principalmente no final, onde
trava um belo confronto com o Conde Drácula. Na última cena do filme,
ainda temos a “participação” de outro grande astro do cinema de horror -
Vincent Price - que faz a voz do Homem Invisível.
Nos bastidores das gravações desse filme também surgiram
várias histórias, que com o passar do tempo acabaram se tornando
públicas, a maioria envolvendo o competente, porém sempre polêmico Lon
Chaney Jr. Nos extras do DVD nacional do filme “O Lobisomem”, de 1941,
existe uma faixa de áudio com comentários do historiador de cinema Tom
Weaver, onde ele cita o fato de que Chaney Jr tentou se suicidar logo
após as o fim das gravações de “Abbott e Costello encontram
Frankenstein”. Algum tempo depois, já recuperado, mencionou que o grande
stress e cansaço proporcionados pelas filmagens, principalmente, às
longas horas em que era submetido às seções de maquiagem para a
caracterização do lobisomem, foram as responsáveis pela sua atitude.
Apesar dessa afirmação, sabe-se que o ator era um fanfarrão nato, e que
na verdade sua tentativa de suicídio estava relacionada à depressão e
aos abusos no consumo de bebidas alcoólicas. Tanto é verdade que Chaney
gostava de contar uma lorota, que em certa época ele declarou que na
grande maioria das cenas em que o Monstro de Frankenstein aparece, era
ele quem o interpretava, já que Glenn Strange haveria quebrado o
tornozelo já nos primeiros dias de filmagem. Porém, nem Strange e nem
ninguém da Universal jamais confirmou essa informação.
Por fim, esse foi realmente o último filme da Universal a
contar com Drácula, Larry Talbot e o Monstro de Frankenstein como
protagonistas. Algum tempo depois, o estúdio venderia os direitos de
imagem desses personagens para a Hammer, e dos anos 1950 ao final da
década de 1970, Drácula e o Monstro de Frankenstein dariam as caras
muitas vezes em uma grande quantidade de filmes, mas sempre
interpretados por outros atores. Apenas Larry Talbot, o atormentado
Lobisomem da Universal, nunca mais ressurgiria, mas deixaria um legado
de filmes inesquecíveis a serem apreciados pelos fãs, imortalizando Lon
Chaney Jr como um ícone definitivo na sombria, mas fascinante história
do cinema de horror.
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