Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 09/12/05
“Nada tenho que não venha de ti, meu mestre, meu príncipe bem
amado, meu pai demônio. Não terei outros deuses diante de ti, e devo
tudo ao demônio, e ao espírito mal que és tu. Vem, vem, vem,... vem o
antecessor, vem demônio, vem príncipe e pai, vem Deus, vem teu nome
senhor, vem meu príncipe, vem, vem o antecessor, vem demônio, vem
príncipe e pai, vem Deus, vem teu nome senhor, vem, não terei outros
deuses diante de ti, e devo todos os dias ao demônio e ao espírito mal
que és tu. Vem, vem, meu pai, meu mestre...” - Duncan Ely, à beira da morte.
Dentro do gênero horror, riquíssimo em idéias e estilos, um
dos tipos de cinema que mais incomoda e interage com o público é
inevitavelmente aquele inspirado em histórias satânicas. O horror aos
demônios e tudo aquilo que envolve o Mal absoluto sempre afetou o ser
humano, que historicamente é influenciado por crenças e religiões. E
nada mais agressivo e repulsivo ao Homem do que o temido Diabo e sua
imagem encarnada de tudo que é ruim, como o sofrimento, dor, doenças e
morte.
Um dos maiores exemplos é o clássico O Exorcista
(1973), de William Friedkin, com sua história de possessão demoníaca em
uma pobre garota de apenas 12 anos, e que causou imenso choque e um
impacto fulminante no ponto fraco do público: o próprio demônio
encarnado na pele de uma inocente criança. Não houve um só espectador
que não tenha se sentido atingido ou incomodado em cenas como a
sangrenta masturbação da criança possuída com um crucifixo, ou os
nojentos vômitos expelidos por ela na forma de jatos gosmentos de bílis
esverdeadas.
Esse é o caso do também demoníaco, porém bem menos agressivo, Balada para Satã (1971), que investe no clima de horror psicológico, sem deixar contudo de envolver e incomodar o público.
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)
Um famoso pianista já idoso e doente terminal com câncer,
Duncan Ely, interpretado por Curt Jurgens, faz um pacto com o demônio
para voltar à vida no corpo de um jovem jornalista e também pianista sem
sucesso chamado Myles Clarkson, interpretado por Alan Alda. O Sr.
Duncan na verdade é um adorador do diabo e apaixonado por sua filha
Roxanne, interpretada por Barbara Parkins, a ponto de proporcionar a
morte de sua própria esposa através de um ataque violento de um cão
negro e feroz da família (que lembra muito a fera de “Zoltan, o Cão
Vampiro de Drácula”, 1977). Após conhecer e seduzir Myles, tornando-o
amigo pessoal de sua família, o Sr. Duncan tem uma forte crise de
leucemia e morre, onde num ritual satânico assume o corpo do jovem
pianista, ajudado por sua filha Roxanne. A esposa de Myles, interpretada
por Jacqueline Bisset, desconfiada dessa conspiração demoníaca, passa a
ter terríveis pesadelos onde é envolvida pelos adoradores do diabo, que
acabam matando sua filha para entregarem a alma à Satã, e cujas imagens
de seus sonhos sempre acabavam tornando uma macabra realidade. Sabendo
depois que seu marido agora na verdade está possuído pela alma do Sr.
Duncan, ela torna-se perturbada pelos fatos diabólicos ao seu redor e
acaba pactuando também com o demônio, suicidando-se numa banheira e num
ritual diabólico transporta-se para o corpo de Roxanne, a filha e amante
de Duncan, para ficar próxima ao corpo do marido.
Um filme muito interessante, sem a presença do característico
final feliz, o que já o torna especial, pois os personagens são
envolvidos numa trama demoníaca e onde o próprio Satã, oculto em seus
subconscientes, é o mestre de cerimônias e senhor absoluto de suas
almas, arrebanhando todos para sua legião macabra no inferno. No melhor
estilo de thriller psicológico que lembra o clássico O Bebê de Rosemary
(1968), de Roman Polanski, a história se desenvolve num clima gótico do
mais puro horror sobrenatural, com altas doses de suspense e erotismo,
graças às participações das lindíssimas Jacqueline Bisset e Barbara
Parkins. A fotografia sombria e por vezes nublada e envolta numa densa
atmosfera de ocultismo, enfatiza os momentos de medo, onde não há a
violência explícita, e sim somente o horror sugerido e sufocante,
acompanhado pela fantástica trilha sonora do mestre Jerry Goldsmith,
responsável por acordes musicais que objetivam gelar a alma do
espectador em meio ao crescente suspense.
É uma típica produção para a televisão, baseada na história The Mephisto Waltz, de Fred Mustard Stewart, produzida pelo mesmo criador de consagradas séries de TV dos anos 60, como Os Invasores e O Fugitivo, de Quinn Martin, e dirigida por um especialista da telinha, Paul Wendkos, responsável por inúmeros episódios de Os Invasores e telefilmes como Fugitivos de Alcatraz (1987) e Nos Braços da Morte
(1989). Os atores coadjuvantes participaram como convidados em diversas
produções para a televisão como a presença de William Windom em Os Invasores e Bradford Dillman em Galeria do Terror, de Rod Serling (Dillman também teve participação importante no cinema como em A Fuga do Planeta dos Macacos
- 1971). Alan Alda e Jacqueline Bisset são os astros maiores desse
filme, os quais tiveram inúmeras participações em outras produções de
Hollywood. Alda, entre outros, fez Crimes e Pecados (89), A Ilha Sinistra (83) e As Quatro Estações do Ano (81, nesse foi também o diretor e roteirista), e Bisset estrelou À Sombra do Vulcão (84), Assassinato no Expresso Oriente (74) e Cassino Royale (67).
Felizmente para os fãs do cinema de horror, ainda podemos acompanhar bons filmes despretensiosos como Balada para Satã
na televisão aberta e em vídeo no mercado brasileiro de fitas seladas, e
que na verdade são grande entretenimento e garantem bons momentos de
suspense, onde somos envolvidos em tramas demoníacas que inevitavelmente
afetam a imparcialidade do espectador e o convida a participar do
roteiro.
Nota do Autor (29/11/10): O filme foi lançado em DVD no Brasil pela “Fox”.
Balada Para Satã (The Mephisto Waltz, Estados Unidos, 1971) 20th
Century Fox. Duração: 109 minutos. Lançado em vídeo VHS pela Abril
Vídeo. Direção de Paul Wendkos. Produção de Quinn Martin. Roteiro de Ben
Maddow, baseado em obra homônima de Fred Mustard Stewart. Fotografia de
William W. Spencer. Direção de Arte de Richard Haman. Efeitos Especiais
por The Howard A. Anderson Company. Música de Jerry Goldsmith. Piano
por Jakob Gimpel. Com Alan Alda, Jacqueline Bisset, Curt Jurgens,
Barbara Parkins, Bradford Dillman, William Windom, Kathleen Widdoes.
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