Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 26/02/04
"Se você pensa que não tem medo do escuro... Se você pensa que tem
um estômago forte... Se você sente que nada pode chocá-lo... Se você
diz que não se assusta facilmente... Se você acredita que já tinha visto
de tudo... Então prepare-se para 'Calafrios'”
Com essas sonoras palavras reproduzidas de um trailer
promocional de “Calafrios” (Shivers, 1975), já podemos ter uma idéia do
tipo de cinema de horror que caracteriza a obra de David Cronenberg, um
dos mais cultuados diretores do estilo, ao lado de nomes como George
Romero, John Carpenter, Dario Argento, Lucio Fulci, Peter Jackson, Sam
Raimi, Wes Craven, Roger Corman, Terence Fisher e outros. Com esse seu
primeiro trabalho distribuído comercialmente, Cronenberg já deixaria
registrada a sua marca como um cineasta diferenciado, especialista em
manipular temas polêmicos e expor a escatologia e o horror explícito em
seus filmes.
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)
A história é ambientada no luxuoso condomínio “Starliner”,
localizado numa bela ilha no Canadá. Lá, sem saberem, os moradores
seriam vítimas de uma doença contagiosa, disseminada através de um
parasita mutante criado em laboratório por manipulação de engenharia
genética, a qual teria a função de substituir orgãos humanos. Porém, sua
maior consequência é estimular a violência sexual nas pessoas
infectadas, incitando-as a atitudes bizarras, numa epidemia desenfreada.
O responsável pela criação do verme é o Dr. Hobbes (Fred Doederlein),
que uma vez utilizando como cobaia uma jovem estudante, Annabelle Brown
(Kathy Graham), acaba descobrindo os efeitos nocivos da doença levando-o
a cometer um violento assassinato seguido de suicídio.
Como a jovem infectada mantinha relações promíscuas com outros
moradores do prédio, o parasita começou a se espalhar rapidamente no
corpo de homens e mulheres, crianças e adultos. Entre os habitantes do
condomínio e candidatos a vítimas dos vermes está um casal formado pelo
corretor de seguros Nicholas Tudor (Alan Migicovsky) e sua bela esposa
Janine (Sue Petrie), a amiga lésbica de Janine, Betts (Barbara Steele), o
médico Dr. Roger St. Luc (Paul Hampton) e sua enfermeira e namorada
Forsythe (Lynn Lowry), além do casal sueco Kresimir Sviben (Vlasta
Vrana) e Brenda (Silvie Debois), os idosos Sr. e Sra. Guilbault (Camil
Ducharme e Hanka Posnanska, respectivamente), o agente imobiliário
Merrick (Ronald Mlodzik), entre outros. E surge também um cientista, Dr.
Rollo Linsky (Joe Silver), antigo colega do Dr. Hobbes, que foi o
primeiro a descobrir sobre as experiências com os parasitas e seu
desenvolvimento no sistema circulatório do hospedeiro, além das graves
consequências da epidemia.
“Calafrios” é um filme com correrias, brigas, violência
repulsiva, comportamentos sexuais bizarros, assassinatos e sangue, e
aborda com maestria a temática da histeria coletiva, através de um
parasita criada em laboratório que espalha rapidamente uma epidemia
entre a humanidade, despertando uma fúria de violência sexual fora de
controle, que até poderia ser vista como uma metáfora profética da AIDS.
Alguns de seus elementos serviram claramente de inspiração para o
clássico “Alien, o Oitavo Passageiro” (79), de Ridley Scott,
principalmente na idéia de uma criatura monstruosa contaminando as
pessoas de um condomínio ou a tripulação de um cargueiro estelar, e na
cena do personagem Kane (John Hurt), com o parasita alienígena
abandonando o hospedeiro rasgando violentamente seu abdômen. Além de
“Alien”, uma infinidade de outros filmes utilizou essa obra de
Cronenberg como fonte precursora de idéias envolvendo epidemias,
histeria, violência, e ambientes de claustrofobia com uma doença
contaminando a todos sem escapatória, instaurando um estado agonizante
de caos.
O filme explora o argumento de que a humanidade possui muito
cérebro e pouca garra, e a criação de um parasita viria justamente
aumentar essa garra, “numa combinação de doença afrodisíaca e venérea
que transformaria o mundo numa orgia linda e desenfreada, pois o Homem é
um animal que pensa demais e que perdeu o contato com seu corpo e
instintos”, conforme as palavras do cientista Dr. Emil Hobbes.
Um dos destaques em “Calafrios”, e um ponto super positivo
para David Cronenberg, é o seu brilhante desfecho, ousado e não
convencional, fugindo daqueles finais óbvios, previsíveis e
invariavelmente felizes, que estão presentes na grande maioria dos
filmes similares. A epidemia não tem realmente controle, e depois de
infectar todos os moradores do condomínio de luxo, sem exceção, as
pessoas contaminadas pelo parasita que estimula a violência e os
prazeres sexuais, saem do prédio guiando seus próprios carros em direção
ao resto do mundo, para disseminar a loucura sexual entre a humanidade.
“Calafrios” foi lançado em DVD no Brasil pela “Continental”,
especializada na distribuição de clássicos no formato digital, e que
também distribuiu o filme com um preço mais popular nas bancas,
encartado em revistas de cinema. Entre o material extra, está a
biografia e filmografia do cineasta David Cronenberg, um trailer de
cerca de um minuto e meio e sem legendas, além de uma interessante
entrevista de 21 minutos legendada em português, com o diretor revelando
detalhes do filme, trazendo uma série de curiosidades de bastidores e
informações sobre os efeitos especiais, o elenco e as várias
dificuldades técnicas para a produção, principalmente devido ao baixo
orçamento disponível de menos de US$ 200 mil.
Entre as curiosidades reveladas por Cronenberg em sua
entrevista, destaca-se o fato da bela atriz Susan Petrie ter muita
dificuldade em chorar em cena, e que tenha pedido para o diretor sempre
esbofetear seu rosto com força momentos antes de filmar, para justamente
facilitar (mesmo que de forma dolorosa) as cenas em que chora no filme.
Quando a experiente atriz Barbara Steele descobriu essa situação
bizarra, ela se revoltou e quase agrediu Cronenberg, somente se
acalmando após saber que o espancamento era na verdade um pedido da
própria atriz Susan Petrie para ajudá-la em sua performance (sua
personagem é uma mulher sofrida que tem o marido com uma doença
misteriosa, e está na maioria das vezes chorando para expressar sua
tristeza). Outro detalhe interessante revelado por Cronenberg em sua
entrevista foi a enorme dificuldade que ele enfrentou para se fazer um
filme de horror em seu país natal, o Canadá, onde as pessoas não estavam
acostumadas com histórias de horror ambientadas na atualidade de suas
produções, prevalecendo sempre os tradicionais argumentos apresentando
castelos, vampiros e todos aqueles elementos góticos representativos de
vários séculos no passado.
O cineasta canadense David Cronenberg nasceu em 1943 em
Toronto, e é um dos mais cultuados diretores do cinema fantástico atual,
principalmente pelos temas bizarros, polêmicos e escatológicos de seus
filmes. Por causa de sua obra cinematográfica ele recebeu alguns títulos
curiosos como “Rei do Horror Venéreo” ou “Barão do Sangue”. Sua
filmografia inclui mais de trinta trabalhos numa carreira de quase
quarenta anos. Além de “Calafrios”, seu primeiro filme com uma
distribuição comercial, outros destaques de seu significativo currículo
são “Enraivecida na Fúria do Sexo” (Rabid, 77), “Os Filhos do Medo” (The
Brood, 79), “Scanners – Sua Mente Pode Destruir” (Scanners, 81),
“Videodrome – A Síndrome do Vídeo” (Videodrome, 82), “A Hora da Zona
Morta” (The Dead Zone, 83), “A Mosca” (The Fly, 86, refilmagem de “A
Mosca da Cabeça Branca”, 58), “Gêmeos, Mórbida Semelhança” (Dead
Ringers, 88), “Mistérios e Paixões” (Naked Lunch, 91), “Crash –
Estranhos Prazeres” (Crash, 96), “ExistenZ” (99), e “Spider – Desafie
Sua Mente” (Spider, 2002).
O produtor de “Calafrios”, Ivan Reitman, nasceu em 1946 na
Eslováquia, e ficou conhecido mais tarde pela direção de conhecidas
comédias com elementos fantásticos como os dois filmes da série “Os
Caça-Fantasmas” (Ghostbusters) em 1984 e 89, além de “Evolução” (2001), e
a aventura “Seis Dias, Sete Noites” (98), com Harrison Ford e Anne
Heche.
Quanto ao elenco do filme, destaca-se a presença da atriz
Barbara Steele, musa do cinema gótico de horror da década de 1960.
Inglesa nascida em 1937, ela participou de vários filmes italianos como
“A Maldição do Demônio” (Black Sunday, 60), de Mario Bava, “A Máscara do
Demônio” e “Dança Macabra” (ambos de 64 e com direção de Antonio
Margherite), além de “A Mansão do Terror” (The Pit and the Pendulum,
61), com história inspirada em Edgar Allan Poe, dirigida por Roger
Corman e com Vincent Price, “A Maldição do Altar Escarlate” (Curse of
the Crimson Altar, 68), ao lado de Boris Karloff e Christopher Lee, e
“Piranha” (78), de Joe Dante, entre outros mais.
Curiosamente, “Calafrios” (tradução em português para
“Shivers”) é mais um daqueles filmes que receberam vários outros nomes
alternativos em sua distribuição pelo mundo, contribuindo ainda mais
para confundir os fãs, pesquisadores e colecionadores, sendo conhecido
também como “The Parasite Murders”, “Frissons”, “They Came From Within”,
“Orgy of the Blood Parasites”, e “The Parasite Complex”.
“Todo mundo é um cientista louco, e a vida é seu
laboratório. Nós todos estamos tentando experimentar e encontrar um
caminho para viver, para solucionar problemas, para afastar a loucura e o
caos” – David Cronenberg
Calafrios (Shivers, Canadá, 1975). Duração: 87
minutos. Direção e roteiro de David Cronenberg. Produção de Ivan Reitman
e Don Carmody. Produção Executiva de Alfred Pariser. Fotografia de
Robert Saad. Música de Ivan Reitman. Edição de Patrick Dodd. Direção de
Arte de Erla Gilserman. Efeitos Especiais e Maquiagem de Joe Blasco.
Elenco: Paul Hampton (Dr. Roger St. Luc), Joe Silver (Dr. Rollo Linsky),
Lynn Lowry (Enfermeira Forsythe), Barbara Steele (Betts), Susan Petrie
(Janine Tudor), Alan Migicovsky (Nicholas Tudor), Kathy Graham
(Annabelle Brown), Fred Doederlein (Dr. Emil Hobbes), Vlasta Vrana
(Kresimir Sviben), Silvie Debois (Brenda Sviben), Camil Ducharme (Sr.
Guilbault), Hanka Posnanska (Sra. Guilbault), Ronald Mlodzik (Merrick),
Barry Baldaro, Wally Martin, Charles Perley, Al Rochman, Julie Wildman,
Arthur Grosser, Edith Johnson, Dorothy Davis, Joy Coghill, Joan
Blackman, Kirsten Bishop, Sonny Forbes, Nora Johnson, Robert Brennen,
Felicia Schulman, Roy Wittan, Denis Payne, Kevin Fenlow.






































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