Nosferatu – Uma Sinfonia de Pesadelos ao Luar

“Nosferatu é uma palavra moderna derivada da palavra em eslavo antigo Nosufur-atu, extraída do grego Nosophoros, Portador de Pragas.”  -  O Livro dos Vampiros, de J. Gordon Melton

Quando o escritor irlandês Bram Stoker publicou no ano de 1897 seu livro Dracula, talvez não pudesse imaginar o tamanho em proporções que sua obra iria adquirir no futuro com a invenção do cinema. Foram feitas mais de cem versões sobre o vampiro mais cruel de que se tem registro, com a imagem medonha de um ser malígno que se alimenta de sangue humano, levanta-se de seu insalubre sepulcro ao cair as “trevas no céu pesadamente” (como dizia Anthero de Quental), e depois retorna ao mesmo local ao ouvir o cantar do galo, como indício de que o dia vai nascer.
Dentre estes horripilantes filmes sobre vampiros, “Nosferatu” (1922) parece ser o primeiro, destacando-se dos outros por arrepiantes cenas rodadas em branco e preto, dando à obra um caráter de profunda fantasmagoria e pesadelo, onde o vampiro Conde Orlok surge da escuridão em um visual agressivo e bizarro como o protótipo ser anti-social, com seu semblante sinistro que lembra uma medonha figura que traz a própria morte encarnada em si mesmo. Pestilento e doentio, Nosferatu tem os dentes em forma de duas pontas juntas como a de um rato roedor, usa um casaco preto como um gótico moderno de vida noturna, além de unhas pontiagudas e cabeça sem um só fio de cabelo. Magro e alto, esta figura horrível traz o horror encarnado assustando até o mais cético mortal.

O filme invoca em suas imagens trêmulas, as exóticas paisagens da Alemanha que muito se aproxima em beleza exuberante das regiões desconhecidas da Romênia, a antiga Transilvânia onde viveu na Idade Média o Drácula histórico, Vlad Tepes.
Neste pitoresco cenário, o diretor F. W. Murnau encontrou todos os ingredientes básicos que invocam o vampirismo, montanhas, florestas densas, riachos, pontes, capelas, castelos em ruínas, aldeões ciganos, lobos, carruagens e, é claro, o talento de Max Schreck, que faz o papel do vampiro Nosferatu. E desta forma, a primeira versão para o cinema da obra de Bram Stoker revive todas aquelas imagens do horror de Dracula contidas nas páginas do livro.

Quem for assistir Nosferatu na esperança de ver cenas fortes de violência e sangue num exagero aloprado e até ridículo, caracterizado pela idiotice da ideologia americana, vai com certeza ficar decepcionado, afinal Nosferatu é uma obra do expressionismo alemão e assim o caráter do horror dá-se num clima de sonhos maus e pesadelos, culminando numa peste maligna que arrasta todos para uma grande mortandade, e tudo envolto numa atmosfera gótica e nevoenta, onde é o inconsciente quem vai ser despertado para uma realidade mais subjetiva que objetiva.

O enredo do filme é simples, baseado no livro “Dracula”, com algumas modificações de nomes e locais apenas, e isso devido talvez por não terem pago corretamente os direitos autorais à viúva de Bram Stoker, que teria entrado com um recurso na justiça para a destruição das cópias do filme caso não fossem pagos os direitos autorais. Para a nossa sorte, algumas cópias do filme sobreviveram a esta polêmica e hoje podemos mergulhar dentro destas imagens e captar o verdadeiro horror que “Nosferatu” causa no espectador.

Nosferatu é o “não morto”, o morto vivo, um vampiro que nada tem de galã e sedutor, pois é corcunda e de aspecto decadente. Ele penetra na civilização do Homem como uma maldição, vindo de longe, navegando em uma escuna, um velho barco onde os tripulantes são todos mortos. Nosferatu bebe o sangue deles e transmite a peste negra a todos. Milhares de ratos acompanham o vampiro, fazendo uma alusão também à maior mancha de horror ocorrida na Idade Média na Europa: a Peste Negra.
No decorrer do filme, o amor - aleijão da humanidade - entra em cena e o vampiro é atingido não com uma estaca no coração, mas com a imagem ideal de uma mulher jovem e bela, aquela que ele havia visto o retrato no camafeu do corretor de imóveis que ele fez prisioneiro em seu castelo.

Esta imagem ideal, fruto de uma visão de poeta, é para o vampiro um martírio que o atormenta, e ele deixa-se prender em seus braços macios de seda. A bela mulher convence-o a ficar com ela desfrutando os “beijos de fogo” da volúpia e do sangue. Assim, o dia vai clareando, despontam os primeiros raios do sol, a aurora segue a aurora, canta o galo mensageiro de Apollo e Nosferatu, embriagado com o sabor do sangue doce da bela jovem e impregnado de uma luxúria sexual, ele esquece que tem que voltar para o sepulcro.  Então, logo ele é destruído pela luz do sol convertendo-se em um monte de poeira. Enganado e seduzido por uma “mulher ideal”, encontrou seu aniquilamento! Assim a peste também acaba e os habitantes libertam-se do mal.

Vale a pena ver “Nosferatu” um clássico expressionista do cinema de horror alemão, e desta forma mergulhar acordado em um dos mais medonhos pesadelos da criação humana.

Nosferatu – Uma Sinfonia de Pesadelos ao Luar (Nosferatu – Eine Symphonie des Grauens, Alemanha, 1922, mudo, preto e Branco, 72 minutos). Direção de F. W. Murnau. Roteiro de Henrik Galeen. Fotografia de Fritz Arno Wagner e Gunther Krampf. Direção de Arte de Albin Grau. Elenco: Max Schreck (Conde Orlok), Alexander Granach, Greta Schroder-Matray, Gustav von Waggenheim, G. H. Schnell, Ruth Landshoff. Lançado em vídeo no Brasil pela Continental. 

N.E.: Em 1979 foi filmada uma outra versão chamada “Nosferatu, The Vampyre” (Alemanha / França), com direção, produção e roteiro de Werner Herzog, e estrelado por Klaus Kinski como o vampiro, e Isabelle Adjani como a sua vítima. Durante a década de 20 foram filmados alguns filmes mudos que, ao lado de “Nosferatu”, entraram para a história do cinema fantástico. “O Gabinete do Dr. Caligari”, “Fausto”, “O Corcunda de Notre Dame”, “O Fantasma da Ópera” e “Metrópolis” são obras primas que merecem ser revistas sempre, e que estão disponíveis em nosso mercado de vídeo, lançadas pela Continental.

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