O Pássaro Sangrento (Deliria/Stage Fright: Aquarius - 1987)


Na segunda metade dos anos 80, o outrora glorioso subgênero conhecido como "slasher", estava em franca decadência, talvez pela intensa explosão de títulos que foram bombardeados na primeira parte daquela década. Some a isso a vertiginosa queda do cinema de gênero italiano, onde a maioria dos diretores não conseguia mais fazer nada que prestasse, com a honrosa exceção, a época, para deixar bem claro, de Dario Argento

Foi dentro deste panorama catastrófico que um diretor novato, então com 30 anos, discípulo de Argento, com quem trabalhou como assistente de direção, resolveu estrear seu primeiro longa de ficção, e justo apostando num slasher movie. E o resultado é esse Deliria que aqui no Brasil ganhou o título de O Pássaro Sangrento (e na gringa outros títulos alternativos como: Bloody Bird, SoundStage Massacre, entre outros). E justiça seja feita: o diretor Michele Soavi, consegui tirar suco de uva de pedra e realizou um dos melhores exemplares do subgênero, isto quando não se esperava mais nada.


Soavi, que já tinha atuado como ator em algumas pérolas do cinema carcamano (e aqui aparece numa ponta não creditada como um policial), e depois de um curta chamado The Valley (1985) e o documentário que Il Mondo dell' Orroredi Dario Argento a.k.a. Dario Argento's World of Horror, resolveu encarar esta empreitada. Com os diálogos escritos por Sheila Goldberg do roteiro escrito pelo mítico ator George Eastman (ato de clássicos como Antropophagus e Rabid Dogs) aqui usando o pseudônimo de Lew Cooper.

A história, como manda o riscado é de uma simplicidade franciscana: Faltando apenas três dias para a estreia de uma peça, um grupo de teatro ensaia exaustivamente noite adentro. É um musical aonde o personagem central usa uma máscara de coruja (interpretado por John Morghen, ou se preferir, Giovanni Lombardo Radice, de Cannibal Ferox, Cannibal Apocalypse, etc), e as atrizes fazem papeis de prostitutas.


A atriz principal Alicia (Barbara Cuspiti) resolve ir a um médico após torcer o pé, o problema é o tirânico diretor Peter (David Brandon), que não deixa ninguém sair do prédio, rabugento e afetado, um tipo à la Gerald Thomas. Alicia resolve então dar uma "escapada" com uma costureira da trupe (Loredana Parrella) em busca de um doutor. Após saírem com a conivência do zelador (James Sampson que anteriormente trabalhou em dois clássicos de Fulci: Zombi 2 e Paura nella Città dei Morti Viventi), as duas amigas acabam parando no que elas achavam ser um ambulatório, mas na verdade é um hospital psiquiátrico.

Ao mesmo tempo em que vemos um médico tratando da moça, ficamos sabendo que um novo paciente está chegando ao local, devidamente amarrado na maca e cercado por policiais. Claro que se trata de um serial killer, chamado Irving Wallace (Clain Parker, que curiosamente fez apenas este filme e um no ano anteriormente: o sexploitation Undici Giorni, Undici Notti do tarado Joe D'Amato, em que seu usava o mesmo nome do personagem daqui, embora não há nenhuma relação os filmes). 

As duas garotas depois do atendimento resolvem voltar o mais rápido possível para o teatro. Obviamente, neste meio tempo o assassino já escapou da maca, atacou um enfermeiro, cravando uma seringa no pescoço deste e está escondido no carro delas. 

Logo começa uma chuva torrencial. Voltando ao galpão, enquanto Alicia leva esporro do diretor, que até tira ela da peça, a amiga desta fica marcando bobeira no aguaceiro e acaba sendo assassinada por Irving, levando um golpe de picareta na boca (por favor, não me perguntem de onde ele tirou essa ferramenta). A polícia chega junto com os repórteres e todo aquele alvoroço. 

O diretor genioso, ao invés de seguir o bom censo e mandar todos para a segurança de seus lares, resolve o contrário, terminar o ensaio. Vendo na morte de uma integrante do grupo (que ele mente para os jornalistas ser uma das atrizes) uma publicidade a mais, ele tranca as portas, para que ninguém fuja, e faz mudanças no roteiro: agora o musical será sobre o próprio criminoso Irving Wallace (mas mesmo assim o ator da peça continuará usando a máscara de coruja). CLARO que a esta altura do campeonato o psicopata já se encontra escondido lá dentro junto com todo elenco. O próximo a morrer é o ator principal da peça, cuja fantasia com a máscara de coruja ficará com o assassino.


Como podem ver este filme não evita os velhos clichês do gênero, pelo contrário os amontoa aos borbotões. Sem falar nas situações idiotas boladas no roteiro de Eastman, e isto aumenta ainda mais o conceito de Soavi, que mesmo com um amontoado de situações batidas, consegue surpreender o espectador. 

E as mortes que vão ficando cada vez mais brutais. Já nosso criminoso acaba usando armas como uma furadeira com uma broca enorme, um machado, uma motosserra, enfim, essas coisas que não podem faltar em qualquer teatro que se preze. Destaco a carismática participação do animal de estimação do zelador: um gato preto chamado "Lúcifer" e da atriz coadjuvante Jo Ann Smith, uma loira que fica o filme inteiro sensualizando em trajes sumários, e tem a morte mais brutal de todas.


Voltando a Soavi, aqui nota-se claramente a influência de Argento em diversos momentos, seja nos ângulos inusitados, seja nos movimentos fluidos de câmera, seja em algumas partes da trilha sonora, quando temos arranjos eletrônicos à la Goblins (só não gostei da cena, mais perto do fim, aonde os heróis saem desenfreadamente a caça de Irving, dai entra um tema instrumental tipo Hard Rock farofa oitentista, bem datado e totalmente deslocado em relação a cena). Apesar de todas essas semelhanças com o trabalho de Dario, Soavi dá aqui mostras de seu toque pessoal (que ele aprimoraria em sua obra-prima, o autoral e surreal Dellamorte Dellamore), como na cena em que o assassino mascarado fica sentado no palco afagando o gato Lúcifer, rodeado dos cadáveres esquartejados de suas vítimas, e com penas planando no ar. Por mais estranho que possa parecer isso chega a ser de um lirismo que você não se vê normalmente num slasher movie.

O Pássaro Sangrento, foi lançado por aqui em VHS pela jurássica Hipervideo. Para quem ainda não viu essa pérola sangrenta, eu recomendo, principalmente para aqueles acostumados com as velhas variações de Sexta-Feira 13, esses com certeza irão se surpreender.

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