Tenebre - 1982


Um assassino de luvas de couro está à solta pelas ruas de Roma... Sim, estamos diante de um legítimo Giallo. E pela câmera inquieta e inconfundível de um dos mestres deste subgênero: Dario Argento. Também conhecido pelo título de “Tenebrae” entre outros, como: “Sotto gli Occhi dell'Assassino”, nos EUA também é conhecido como “Unsane”, na Finlândia acabou se chamando “Inferno”, que é justamente o título original do filme anterior do diretor. 

Tudo começou em 1980, após a recepção fria e o fracasso de bilheteria de seu “Inferno”, que era a segunda parte da trilogia das três mães, que iniciou com “Suspiria”, 1977, e só acabaria trinta anos depois em 2007 com o discutível “La Terza Madre”. Argento resolveu então voltar a um terreno seguro, o universo do giallo. Coisa que ele já tinha feito anteriormente, visto que depois de seu fracasso na comédia de fundo histórico “Le Cinque Giornate” (1973), ele retornaria com “Profondo Rosso” (1975) sua primeira obra-prima. Reza a lenda que um fã teria ameaçado Dario de morte, este evento bizarro acabou inspirando-o para realizar “Tenebre”. 


Aqui acompanhamos a chegada em Roma do escritor de livros de mistério Peter Neal (Anthony Franciosa, num papel que em que se cogitou anteriormente o Christopher Walken), que recém chega à cidade e tem que aturar o detetive Germani (o mito Giuliano Gema). Pois um psicopata teria enfiado, literalmente, várias páginas do dito livro goela abaixo de uma infeliz moça para depois matá-la a navalhadas. E isto é só o começo, o assassino manda cartas anônimas para o escritor, após cada crime cometido. A conclusão será realmente brutal e sangrenta.

A figura do escritor foi feita até certa parte em tons claramente autobiográficos. Como quando uma lésbica feminista acusa o escritor de sexista por causa da forma violenta como as mulheres são tratadas em sua obra. Acusações que vira e mexe são atribuídas a ARGENTO até hoje! Em outro momento um crítico literário comenta o fato de no livro uma das vítimas ser homossexual (devemos lembrar que um personagem gay é assassinado em “Quatro Moscas de Veludo Cinza”), Peter defende-se afirmando que na sua história o único doente é o criminoso.


 Chama atenção também o fato de como Dario gosta de colocar como figura central em seus filmes personagens ligado as artes como escritores, como aqui e em “O Pássaro das Plumas de Cristal” ou músico como em “Quatro Moscas sobre Veludo Cinza” e “Profondo Rosso”, até estudantes, sejam de balé (“Suspiria”) ou até mesmo de cinema (como no telefilme “Ti Piace Hitchcock?”).
O roteiro segue a linha típica do giallo, ou seja, parte de uma premissa simples, que aos poucos vai se complicando apenas com o intuito de dificultar a identificação prematura do assassino. Se bem que aqui o espectador pode tentar adivinhar a identidade do assassino não pela mera dedução, mas por eliminação, tamanho o número de mortes neste filme. Na verdade o roteiro, escrito pelo próprio diretor é o grande ponto fraco, pois abandona toda e qualquer lógica e é cheio de furos. Bom, este é um tipo de acusação até comum aos filmes explotation em geral feito na Itália nos anos 70 e 80.

O elenco é curioso: fora a mais que obrigatória presença de Daria Nicolodi, na época companheira de Argento, o norte-americano Anthony Franciosa, o astro do spaghetti-western Giulliano Gemma (só par constar: em “Quatro Moscas sobre Veludo Cinza” Argento usaria outra figurinha famosa dos spaghetti-westerns: Bud Spencer) e a figura carismática de John Saxon (que trabalhou em “La Ragazza che Sapeva Troppo” de Mario Bava, um dos pilares do Giallo) como o agente de Peter, e também a presença de John Steine. Isso sem falar na ponta do assistente de direção e futuro diretor Michele Soavi, que aparece numa cena de flashback acompanhado do transexual Eva Robin.

A música ficou a cargo do grupo Goblin, resultando em mais um grande trabalho deles. A bela fotografia é de Luciano Tovoli (“Suspiria”) e foi inspirado na fotografia do filme “Possessão” (1981) de Andrzej Żuławski.

Destaque para a antológica sequência dos assassinatos do casal de lésbicas. Complexos movimentos de câmera acabam fluindo em travellings maravilhosos, aliados a uma montagem precisa e o resultado realmente de tirar o fôlego. Um dos pontos altos da carreira do Mestre. As tomadas levaram três dias para serem concluídas. Os distribuidores americanos queriam mutilar a sequência, pois eles a achava muito extensa, Dario bateu pé com razão e a cena passou completa para os yankees.


Banido na Alemanha, o filme teve problemas na Inglaterra, até no cartaz, aonde se vê de forma estilizada uma mulher com o pescoço cortado e o sangue escorrendo. A censura britânica chegou a cogitar em “colocar” um lenço vermelho no pescoço da imagem para tampar o sangue! Claro que depois no lançamento em vhs acabaria banido e entrando na lendária lista de “vídeos nasties”. Outra curiosidade é que na versão inglesa, enquanto os atores Franciosa, Gemma, Saxon e Steiner usaram suas próprias vozes, a atriz Daria Nicolodi foi dublada pela atriz Theresa Russell.

Ao mesmo tempo um giallo com violência extrema e uma reflexão do autor sobre sua obra, “Tenebre” é um trabalho primoroso, sangrento e imperdível.

Tenebre (1982)
Direção: Dario Argento
Com: Anthony Franciosa, Giuliano Gemma, John Saxon, Christian Borromeo, Daria Nicolodi, John Steiner.

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