She-Wolf of London - 1946


Quando foi lançado nos cinemas, em meados de 2005, o filme “Amaldiçoados”, do cultuado diretor Wes Craven, causou grande frustração nos seus fãs devido a baixíssima qualidade apresentada, e como não poderia deixar de ser, se constituiu em um tremendo fracasso nas bilheterias, além de se tornar um verdadeiro motivo de chacota entre os críticos e apreciadores do cinema de horror em geral. Apesar de possuir no elenco a bela e talentosa Christina Ricci, e contar com roteiro de Kevin Williamson, um dos mais badalados roteiristas da década de 1990, que ao lado de Craven foi o responsável pelo redundante sucesso de “Pânico”, a verdade é que o filme se mostra realmente muito fraco, com um enredo simplório e repetitivo, direção sem um pingo de inspiração e ausência total de cenas de gore ou violência. Na época, ao comentar com um amigo sobre esse filme, ele me disse que um dos poucos pontos positivos que havia verificado era o fato de ele esconder a identidade do verdadeiro vilão até o final, fazendo com que passássemos a maior parte do tempo tentando descobrir quem seria o dito cujo. Porém, basta um pouco de conhecimento dentro do gênero para lembrarmos que essa idéia de estruturar o roteiro em cima da pergunta “quem será o lobisomem?” é algo que está igualmente longe de ser original, pois já foi explorada em várias outras obras, décadas antes.
 
Nesse sentido, o exemplo mais conhecido é o do clássico “A Hora do Lobisomem”, dirigido por Daniel Attias em 1985, com roteiro de Stephen King baseado em um livro de sua própria autoria, onde vemos um casal de irmãos tentando a todo custo descobrir a identidade do lobisomem que vem trucidando os habitantes da cidadezinha onde vivem, antes que a criatura venha ao encalço deles próprios. Quando a identidade do monstro é revelada, não deixou de causar um considerável impacto, principalmente pela ousadia. Outro trabalho emblemático onde esse tipo de situação é abordada encontra-se em “A Fera Deve Morrer”, filme de 1974 dirigido por Paul Annett, onde vemos um excêntrico milionário reunir em uma mansão isolada uma série de misteriosos convidados no intuito de descobrir qual deles é um lobisomem, e então dar cabo da criatura. A própria estrutura desse filme é montada de forma a instigar quem está assistindo a descobrir a identidade do monstro, chegando a ponto de parar a ação, instantes antes do final, para dar tempo do expectador chegar a um veredicto. Pode-se ainda citar “O Lobisomem no Quarto das Garotas”, produção italiana Classe Z, dirigida por Richard Benson (pseudônimo de Paolo Heusch) em 1962, onde o roteiro faz com que tentemos descobrir quem é o lobisomem que vem atacando em uma escola reformatória para moças. Porém, todas essas obras foram precedidas por um obscuro filme da Universal produzido em meados da década de 1940 intitulado “A Mulher-lobo de Londres”, que foi o primeiro a fundamentar o seu enredo na questão da identidade da criatura licantrópica, e que, por fim, é o real foco desse artigo.

 
Lançado em 1946, “A Mulher-lobo de Londres” foi a última investida da Universal em um filme sério abordando a temática do lobisomem. Depois deste viria apenas “Abbott e Costello encontram Frankenstein”, de 1948, onde temos a derradeira aparição do personagem de Larry Talbot, mas que, como todos sabem, se trata de uma comédia e não de um filme de horror propriamente dito. Aliás, nem mesmo “A Mulher-lobo de Londres” deveria ser considerado um filme de horror, mas sim de suspense.
 
A história se passa em uma época definida apenas como “na virada do Século XIX para o Século XX”, e nos mostra uma bela mansão nos limites de Londres, habitada por Sra Martha Winthrop (Sara Haden), sua filha Carol Winthrop (Jan Wiley), sua sobrinha órfã Phyllis Allenby (June Lockhart), e uma velha empregada chamada Hannah (Eily Malyon). Tudo corre bem na família das mulheres, inclusive Phyllis já está de casamento marcado para breve com um advogado oriundo de uma família rica e tradicional chamado Barry Lanfield (Don Porter), até que uma série de brutais assassinatos passa a ocorrer em um parque nas proximidades da mansão. Encarregado de investigar o caso, o detetive Lathan (Lloyd Corrigan) está convencido de que se trata de obra de um lobisomem, enquanto o cético Inspetor Pierce (Dennis Hoey, de “Frankenstein encontra o Lobisomem”) acredita que o autor das mortes seja um cão raivoso, ou no máximo, um maníaco.
Porém, a pobre Phyllis acorda uma manhã com as mãos sujas de sangue e encontra o chambre e os calçados enlameados, como se tivesse andado ao ar livre durante a noite. Com isso, passa a acreditar em uma tal “Maldição Allenby”, que supostamente fazia com que seus antepassados se transformassem em lobisomem, e que teria vitimado também os seus pais. Desesperada, a moça termina o noivado com Barry e se isola na mansão, fazendo com que o inconformado noivo passe a investigar o caso por conta própria, a fim de provar a inocência da amada. Paralelamente, ficamos sabendo que existem muitas coisas obscuras na vida das mulheres daquela casa, como o fato da Sra Martha ter tido um caso com o pai de Phyllis no passado, as saídas noturnas de Carol, supostamente para se encontrar com um amante, e a postura pra lá de suspeita de Hannah, a velha empregada que fica ouvindo as conversas atrás das portas, e que parece saber muito mais do que procura demonstrar. Logo, todas são suspeitas de serem a verdadeira Mulher-lobo, e o expectador fica colhendo pistas e elaborando teorias até o final do filme, onde a identidade da assassina é finalmente revelada.
 
Devido a sua curta duração – apenas 61 minutos – o filme flui com facilidade e o roteiro simples, porém eficiente, faz com que o expectador fique o tempo inteiro ligado em todos os acontecimentos, na intenção de antever os detalhes reveladores do mistério. Como a maior parte do tempo é constituída de cenas de diálogos, e as mortes são quase todas off-screen, os melhores momentos do filme acabam sendo as cenas noturnas no parque, onde a escuridão e a densa névoa se constituem no cenário perfeito para criar um clima de suspense e a conseqüente aparição da Mulher-lobo. E por falar na Mulher-lobo, o visual dela nada tem de sofisticado ou elaborado, se constituindo tão somente em uma mulher envolvida por mantas e casacos, aparecendo na maior parte das vezes de costas, à distância, ou em meio à névoa, em uma clara estratégia destinada a dar o mínimo de recursos para o expectador descobrir sua identidade.
 
A direção de Jean Yarbrough segue um rumo bastante convencional, mas coerente com a história que tinha em mãos. Como curiosidade, nesse mesmo ano de 1946, Yarbrough recebeu uma enxurrada de criticas de vários setores da mídia especializada, assim como o próprio estúdio Universal, em virtude do polêmico filme “Casa dos Horrores”, que contava com Rondo Hatton no papel de um homem de feições monstruosas e comportamento homicida. A questão é que Hatton era realmente deformado em virtude de uma rara doença da qual era portador, e a conservadora sociedade norte-americana achou uma atitude extremamente antiética e de mau-gosto explorar a imagem de um homem doente e desfigurado em um papel monstruoso. A polêmica foi tanta que a Universal acabou vendendo os direitos da franquia protagonizada pelo Creeper, personagem da Hatton, para o pequeno estúdio PRC, e até hoje essa obra permanece inédita em DVD.
 
Mas, curiosidades à parte, a verdade é que “A Mulher-lobo de Londres” é um filme peculiar, que não guarda maiores similaridades com nenhum outro do gênero de lobisomens, nem mesmo com aqueles produzidos pela própria Universal nesse período. A grande sacada dessa obra se constitui basicamente em conduzir as atenções até o clímax, no final, onde a identidade da Mulher-lobo é revelada. E se descobrir quem é a verdadeira vilã pode até não ser muito surpreendente para um expectador mais atento, o mesmo não se pode dizer sobre uma outra surpresa, igualmente reservada para o final, e que certamente irá desagradar muita gente.
 
Em tempo, uma série de TV também intitulada “A Mulher-lobo de Londres” foi produzida entre os anos de 1990 e 1991, tendo sido cancelada após apenas 20 episódios, e que, além do nome, não possui nenhuma relação com o filme de 1946.

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