A volta do lobisomem


Paul Naschy (nome artístico do ator/diretor/roteirista espanhol Jacinto Molina) é uma figura a ser respeitado quando se trata de filmes de lobisomem. Porém, isso se deve muito mais a sua dedicação e empenho às produções sobre criaturas licantrópicas do que propriamente a qualidade das mesmas. Conforme já comentei em um texto anterior, ao longo de 11 filmes Naschy interpretou o personagem Waldemar Daninsky, um homem atormentado pela licantropia e que procura por um crucifixo sagrado - cuja extremidade mais comprida é formada por uma lâmina similar a um punhal - pois este artefato, se manipulado por uma mulher que o ama, pode matá-lo e libertar sua alma da maldição. Em meio a sua jornada, ele terá que se confrontar com alguns inimigos maléficos, como bruxas, vampiros, mortos-vivos ou cientistas malucos. Basicamente, essa é a premissa que perpassa de forma mais ou menos direta a grande maioria dos filmes da série, apresentando apenas variações de local e época em que se passam as histórias, além de obvias mudanças de personagens secundários e elementos complementares dos enredos. Também é interessante mencionar que, embora sempre protagonizados pelo mesmo personagem, os filmes possuem pouca ou nenhuma relação entre si, chegando ao ponto de, em alguns casos, se constituírem em autênticas refilmagens uns dos outros.

Com certeza, o exemplo mais emblemático dessas auto-refilmagens (ou seria auto-plágio?) envolve justamente o filme “A Noite do Walpurgis”, de 1971 - e cujo título original é “La Noche de Walpurgis” - e a obra de 1981 originalmente intitulada como “El retorno del Hombre-lobo”, que foi lançada nos EUA como “Night of The Werewolf” e no Brasil chegou a ser exibida em canais de televisão em meados dos anos 1980 com o título de “A Volta do Lobisomem”, denominação que optarei por usar ao longo desse texto.

Ao contrário do filme de 1971, onde ficou encarregado apenas do roteiro, deixando o trabalho de direção para o argentino León Klimovsky, em “A Volta do Lobisomem” Naschy optou por acumular as funções de roteirista e também de diretor. Comenta-se que ele teria ficado insatisfeito com o resultado final de “A Noite do Walpurgis”, o que o motivou a idealizar essa refilmagem, mas, pelo menos na minha opinião, a nova versão não foi boa o suficiente para superar o filme original. Quem já assistiu algum filme da série protagonizada por Waldemar Daninsky sabe que, de uma maneira geral, eles são mal dirigidos, têm roteiros estapafúrdios, diálogos constrangedores e atuações risíveis, acabando por se tornarem divertidos muito mais em virtude do humor involuntário e pelo flerte com os elementos típicos do exploitation do que por outras eventuais qualidades que apresentem.

Tendo isso em vista, é fácil constatar que em “A Volta do Lobisomem” a fórmula se repete: o roteiro é igualmente esburacado, os diálogos continuam vexatórios, o elenco permanece integrado por atores e atrizes fracos e a direção de Naschy é tão irregular quanto à do filme original. É evidente que nessa nova versão muitas coisas melhoraram, como os figurinos e o trabalho cenográfico, os efeitos de maquiagem e a própria caracterização do lobisomem. E por falar no monstro, também devemos destacar que ele entra em ação com muito mais freqüência neste remake, o que certamente se configura em mais um aspecto positivo para os fãs. Porém, a versão de Naschy peca pela falta de ousadia, fazendo com que seu filme seja muito mais “recatado” do que o antecessor, produzido dez anos antes. Em “A Noite do Walpurgis” não faltavam cenas de nudez (inclusive frontal), de tal forma que praticamente todas as atrizes acabam passando alguns momentos bem significativos com os seios de fora. As cenas de sexo se faziam igualmente presentes, e as vampiras possuíam uma atitude sexista e lésbica de forma que a aura de erotismo e sedução frequentemente atribuída a esses seres das trevas ficava muito bem representada. Já em “A Volta do Lobisomem”, há uma única e desinteressante cena de nudez, as vampiras deixaram de ter postura lésbica, e todo o clima de erotismo e sedução foi por água abaixo. Além disso, com exceção da belíssima Silvia Aguilar, as outras atrizes são inferiores àquelas do filme de 1971, tanto em termos de beleza quanto em relação às atuações. Logicamente, não é necessário que um filme de terror possua elementos eróticos para ser divertido e interessante, mas no caso específico desta obra – onde pouca coisa funciona – é evidente a falta que tais elementos fazem. E para piorar, a versão de Naschy é bem menos violenta do que a sua antecessora, de forma que o sangue só jorra pra valer nos banhos ritualísticos da condessa Bathory. As outras mortes são bem mais discretas.

Quanto ao enredo, ele apresenta algumas variações interessantes, embora mantenha a mesma premissa básica. O filme inicia em um castelo medieval na Hungria onde está acontecendo um julgamento coletivo. A condessa Bathory (Julia Saly, que atuou ao lado de Naschy em várias outras produções, como “La bestia y la espada mágica”) é condenada por assassinato, bruxaria e vampirismo, e como pena deverá permanecer em prisão domiciliar em caráter perpétuo “até o dia de sua morte”. E aqui vem o primeiro questionamento: mas ela não era uma vampira?! Posteriormente ela aparece cheia de poderes característicos dos vampiros, então como poderia permanecer “em prisão domiciliar até o dia de sua morte”?! E outro detalhe: o julgamento acontece de dia, ao ar livre. Incoerências a parte, o julgamento prossegue e todos que tinham alguma relação com a condessa são condenados a morte das formas mais criativas: alguns queimados, outros decapitados, vários enforcados. Para Waldemar Daninsky (Naschy), acusado de ser um licantropo e servo da condessa, a condenação vem de forma igualmente criativa: acorrentado, ele é forçado a vestir a “máscara da vergonha” (um instrumento de tortura medieval) e depois tem seu coração perpassado por uma cruz de prata.

Entram os créditos iniciais.

A ação então é conduzida ao presente (neste caso, 1981) em Roma, onde um grupo de três pesquisadoras acadêmicas formado por Karen (Azucena Hernández, figura conhecida de vários filmes pornôs espanhois), Bárbara (Pilar Alcón) e pela obstinada Erika (Silvia Aguilar) está de malas prontas para uma região isolada no coração dos Cárpatos, onde descobriu o local em que se encontram sepultados os restos mortais da condessa Bathory e de Waldemar Daninsky, o lobisomem. Erika, a líder do grupo, convence suas colegas de que o objetivo da viagem é puramente científico, mas na verdade ela está interessada em ressuscitar a condessa para que esta a transforme também em uma vampira imortal. Para se ter idéia da obstinação da moça, ela não hesita em assassinar o seu professor e mentor para roubar-lhe um medalhão necessário para o ritual de ressurreição, bem como utilizar suas próprias companheiras como “matéria-prima” para tal ritual.

Paralelamente, uma dupla de ladrões de sepulturas encontra a tumba de Waldemar Daninsky, e ao retirar a cruz de prata que se encontrava cravada em seu peito acaba ressuscitando-o. Vemos então as primeiras vítimas do renascido lobisomem. A partir desse ponto, a história se desenvolve mais ou menos da mesma maneira que em “A Noite do Walpurgis”: Daninsky encontra com as moças, se apaixona por uma delas e fica na expectativa de que ela possa livrá-lo da maldição que tanto o atormenta. Em paralelo, as outras ressuscitam a condessa Bathory e tudo passa a se encaminhar para o clímax, onde o lobisomem se confrontará com um bando de vampiras sedentas por sangue e lideradas pela própria condessa.

Com a situação já encaminhada dessa maneira, o filme acaba se arrastando mais do que o necessário, introduzindo vários personagens que ficam em cena poucos minutos e têm o claro objetivo de apenas servirem de vítimas para o lobisomem ou para as vampiras. E por falar em se arrastar, esse filme possui a mais longa e engraçada cena de transformação que já vi até hoje. Vale à pena descrever: Daninsky está na sala de sua mansão quando a lua cheia se torna visível através da janela. Ele leva as mãos à garganta, como se tivesse se engasgando, emite alguns ruídos hilários, arregala os olhos e cai no chão. Contorce-se, dá socos no assoalho e levanta-se. Anda pela sala quebrando coisas e derrubando objetos no chão, como se estivesse tendo um ataque histérico. Cai novamente, rola-se. Levanta de novo, quebra mais algumas coisas, chuta os paus incandescentes da lareira (!), se escora na parede e depois... cai mais uma vez! Se rola pelo chão alguns instantes mais, levanta, se escora na parede (a mesma de antes!) e rola para o lado das escadarias. Então, finalmente, de lá retorna transformado em lobisomem (ufa!).

O humor involuntário ainda é assegurado por cenas absurdas e toscas, como o casal de camponeses fazendo sexo vestindo calças e botas (isso que eu chamo de ser recatado!), o tombo que Karen leva no pátio do castelo e se machuca a ponto de desmaiar e ficar horas desacordada (o buraco onde ela caiu não tinha mais do que meio metro de profundidade!) e a cômica luta entre Daninsky e um zumbi nas catacumbas. Sem falar na sucessão de atitudes sem sentido tomadas por alguns personagens, como por exemplo, o próprio Daninsky, que a cada manhã retornava para casa lamentando ter se transformado em lobisomem e ter tirado a vida de pessoas inocentes. Ora, mas então porque ele não se trancava em algum lugar? Pelo menos no filme de 1971 ele tinha o bom senso de se acorrentar antes de cada transformação.

Com base nessas observações, entendo que esse é um filme apenas para quem espera uma diversão descompromissada, capaz de proporcionar risadas em doses bem maiores do que sustos ou momentos tensos. Ou então, é mais um exemplar para a vasta categoria dos filmes que “valem como curiosidade”.


Mas por outro lado, não se pode desconsiderar o fato de que mesmo esse filme nunca tendo sido lançado no Brasil em VHS ou DVD, na comunidade “Filmes de Lobisomem” do Orkut é grande a quantidade de pessoas que aparecem procurando informações ou citando essa obra com base em lembranças do tempo em que ela era exibida na TV. Isso é a prova de que, independente de suas virtudes ou defeitos, os filmes do lobisomem Waldemar Daninsky conseguiram cativar muitos admiradores através das décadas, ao ponto de terem rendido 11 longas-metragens além de vários outros produtos relacionados à série, como livros, histórias-em-quadrinhos e áudio-books. Não é pouca coisa.

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