Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 09/12/05
“Esse é meu relato dos temíveis
Karnsteins. Diante de Deus talvez sejamos poupados desses acontecimentos
sobrenaturais novamente.” Joachim von Hartog
Na história do cinema de horror, e mais especificamente
enfocando o tema do vampirismo, o livro do irlandês Bram Stoker (1847 /
1912), “Drácula”, escrito em 1897, foi o escolhido como base para uma
infinidade de filmes, sendo uma das obras literárias mais filmadas em
todos os tempos, e envolvendo principalmente homens sugadores de sangue.
Porém, um outro romance chamado “Carmilla”, escrito pelo igualmente
irlandês Sheridan Le Fanu (1814 / 1873) num período ainda anterior, em
1871, e que influenciou a obra de Stoker, apresentava sensuais,
sedutoras, belas e provocantes vampiras em seu argumento básico, sendo
também bastante utilizado pelo cinema em vários filmes interessantes,
onde entre eles destaca-se a famosa “trilogia Karnstein”, produzida no
início da década de 1970 pela nostálgica produtora inglesa “Hammer”.
Nessa época, o ciclo de filmes do vampiro Drácula
(interpretado magistralmente por Christopher Lee) estava se desgastando
numa mostra clara de decadência, obrigando a “Hammer” a procurar
alternativas que mantivessem o interesse do público e consequentemente a
saúde financeira da empresa, afinal fazer “cinema” é considerado pelos
executivos acima de tudo um “negócio” que precisa gerar lucros para
manter sua sobrevivência e continuidade. A citada trilogia inicia uma
nova fase do estúdio, considerada bastante ousada por mostrar pela
primeira vez o erotismo de belas mulheres vampiras semi nuas em cenas de
lesbianismo, sendo por isso mesmo motivo de um maior patrulhamento pela
censura da época.
Em 1970, a “Hammer” fez uma parceria com o estúdio americano
“American International”, e juntos produziram um único filme que é
considerado um dos principais a explorar o universo ficcional da obra de
Le Fanu, “Camilla, a Vampira de Karnstein” (The Vampire Lovers),
dirigido por Roy Ward Baker e com Peter Cushing e a bela Ingrid Pitt. No
ano seguinte, vieram as duas outras produções da trilogia, “Luxúria de
Vampiros” (Lust For a Vampire, de Jimmy Sangster), com Yutte Stensgaard,
e “As Filhas de Drácula” (Twins of Evil, de John Hough), com as gêmeas
Madeleine e Mary Collinson e o sempre presente Peter Cushing.
Apresentando todos aqueles elementos góticos característicos
dos filmes da “Hammer”, como os imponentes castelos, a floresta
fantasmagórica, os túmulos envoltos numa névoa sinistra, uma família
atormentada por uma maldição, e acrescentando um significativa dose de
erotismo e sensualidade com a nudez de belas mulheres, a história se
inicia com o Barão Joachim von Hartog (Douglas Wilmer), um caçador de
vampiros em busca de vingança pela morte de sua irmã, preparando uma
armadilha no temível Castelo de Karnstein, onde uma família amaldiçoada
de vampiros repousa em suas tumbas frias saindo apenas à noite em busca
de alimento, o sangue dos aldeões de um vilarejo próximo. Quando uma
jovem e bela vampira retorna de sua caçada, é surpreendida por Hartog
que se apossa de seu manto, evitando que a criatura da noite possa
voltar ao túmulo novamente. Incitando a vampira para um confronto,
Hartog a mata através de decapitação, um dos poucos meios possíveis de
se destruir um vampiro, e num trabalho exaustivo consegue eliminar os
outros familiares em suas covas, cravando-lhes estacas de madeiras nos
corações. Porém, o túmulo da bela Mircalla Karnstein (1522 / 1546)
estava escondido num local seguro e não foi violado, permitindo que ela
possa ressurgir para continuar o legado maldito de sua família em busca
de sangue.
A ação volta-se agora para uma festa no castelo do general von
Spielsdorf (o aristocrático Peter Cushing), que recebe a visita de uma
condessa da região (Dawn Addams), com sua bela filha Marcilla (Ingrid
Pitt), que se hospeda no castelo e inicia seus planos de sedução com a
jovem sobrinha do general, Laura (Pippa Steele), de quem quer o prazer
sexual e o sangue jovem. O namorado da moça e administrador da
propriedade, Carl Ebhardt (Jon Finch), não foi capaz de evitar a morte
de Laura em condições misteriosas (fraqueza progressiva, em meio ao
tormento de horríveis pesadelos), e que coincidiram com o
desaparecimento de Marcilla.
A vampira reaparece novamente com um nome alternativo,
Carmilla, e como hóspede de uma outra mansão nas redondezas, pertencente
ao Sr. Roger Morton (George Cole), que vive com a filha Emma (Madeline
Smith) sob os cuidados da governanta Srta. Perrodot (Kate O´Mara), que
por sua vez divide a administração do local com o capataz Sr. Renton
(Harvey Hall). Esses últimos acabam seduzidos pelos encantos profanos de
Carmilla, tornando-se as novas vítimas da ancestral criatura da noite. E
para evitar a morte iminente da jovem Emma, em circunstâncias
igualmente misteriosas como o de Laura, seu pai une-se ao general von
Spielsdorf e ao Barão Hartog para juntos enfrentarem a vampira num
confronto mortal em seu próprio lar de origem, no Castelo de Karnstein.
Curiosamente, o ator que interpretou um médico em “Carmilla”, e
eventualmente transformando-se em outra vítima das garras da sensual
vampira, é o veterano Ferdy Mayne, o mesmo que encarnou o Conde Von
Krolock, um aristocrático vampiro na clássica comédia de Roman Polanski
“A Dança dos Vampiros” (Dance of the Vampires, 67). É impressionante
como o ator tem um rosto e postura perfeitamente associados a uma figura
de vampiro. Outro detalhe curioso é a sinistra presença em alguns
momentos do filme, de um homem misterioso vestindo uma grande capa (o
ator John Forbes-Robertson) creditado apenas como “Homem de Preto”, e
que aparece sem dizer uma única palavra demonstrando ser um vampiro e de
possuir alguma relação com Carmilla.
Em Novembro de 2002, “Carmilla, a Vampira de Karnstein” foi
lançado no Brasil em DVD pela revista “Dark Side DVD” ano 1 número 2,
com distribuição em bancas e um preço popular. Infelizmente houveram
algumas falhas notáveis, começando pelo título que o filme recebeu, o
qual deveria ser “Os Amantes Vampiros”, numa tradução literal do
original “The Vampire Lovers”. A qualidade da imagem está apenas
razoável, e como material extra veio somente um pequeno trailer de 30
segundos e sem legendas, anunciado de forma equivocada no menu
interativo como sendo de “Drácula, o Príncipe das Trevas” (66), quando o
correto é “Drácula no Mundo da Mini Saia” (Dracula A.D. 1972).
O cineasta inglês Roy Ward Baker nasceu em 1916 em Londres.
Sua filmografia com quase 60 trabalhos tem como destaque os filmes de
horror e ficção científica da “Hammer”, como “Uma Sepultura na
Eternidade” (67), “Gangsters na Lua” (69), “O Conde Drácula” (70), “O
Médico e a Irmã Monstro” (71), este baseado no famoso livro de Robert
Louis Stevenson, e “A Lenda dos Sete Vampiros” (74), um dos últimos
trabalhos da produtora, que encerrou as atividades poucos anos depois. O
diretor participou também da rival “Amicus”, dirigindo as antologias
“Asilo Sinistro” (72), com histórias de Robert Bloch, e “A Cripta dos
Sonhos” (73).
O elenco de “Carmilla, a Vampira de Karnstein” é formado por
dois nomes especiais que tiveram fortes ligações com o horror em suas
carreiras, o inglês Peter Cushing e a bela polonesa Ingrid Pitt.
Cushing (1913 / 1994) teve uma carreira notável com
aproximadamente 130 filmes, boa parte deles voltados para o gênero
fantástico interpretando “cientistas loucos” ou nobres aristocráticos.
Recebeu dos fãs e críticos o merecido título de “Cavalheiro do Horror” e
ficou eternamente conhecido como o lendário caçador de vampiros Prof.
Van Helsing ou pelo papel do cientista Dr. Frankenstein, numa enorme
série de filmes significativos.
Já a atriz Ingrid Pitt nasceu em 1937 na Polônia, e certamente
está entre as mais efetivas e sensuais vampiras da história do cinema,
interpretando entre outras, a sanguinária Carmilla / Marcilla / Mircalla
da “Hammer”, vários interessantes anagramas da lendária vampira do
escritor Le Fanu. Ela também participou de algumas outras produções do
gênero destacando-se “A Condessa Drácula” (71), no papel da impiedosa
Condessa Elisabeth Nodosheen, numa referência à histórica personagem
real Condessa Bathory, que no século XVII se banhava de sangue humano
com o insano pretexto de rejuvenescimento.
Outros filmes importantes em que atuou foram a clássica
antologia “A Casa Que Pingava Sangue” (The House That Dripped Blood, 70,
“Amicus”), “O Homem de Palha” (The Wicker Man, 73), ao lado de
Christopher Lee, e “Underworld” (85), com roteiro de Clive Barker.
Recentemente ela pode ser vista num divertido curta metragem inglês de
apenas 20 minutos chamado “Dedos Verdes” (Green Fingers, 2000), com
direção de Paul Cotgrove, produzido com a intenção de homenagear os
filmes da “Hammer”, e exibido no “14º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, Especial Horror, Categoria Mondo / Thriller”, em 31/08/2003.
Carmilla, a Vampira de Karnstein (The Vampire Lovers,
Inglaterra, 1970). Hammer Films / American International Pictures.
Duração: 91 minutos. Direção de Roy Ward Baker. Roteiro de Tudor Gates,
com adaptação de Harry Fine, Tudor Gates e Michael Style, da obra
“Carmilla”, de Joseph Sheridan Le Fanu. Produção de Harry Fine e Michael
Style. Música de Harry Robinson. Fotografia de Moray Grant. Edição de
James Needs. Direção de Arte de Scott MacGregor. Elenco: Peter Cushing
(General von Spielsdorf), Ingrid Pitt (Carmilla / Marcilla / Mircalla),
Pippa Steele (Laura), Madeleine Smith (Emma Morton), George Cole (Roger
Morton), Dawn Addams (Condessa), Jon Finch (Carl Ebhardt), Kate O´Mara
(Srta. Perrodot), Douglas Wilmer (Barão Hartog), Harvey Hall (Renton),
Kirsten Betts, John Forbes-Robertson, Charles Farrell, Janet Key,
Shelagh Wilcocks, Graham James, Tom Browne.
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