
“Balas não podem matá-lo! Fogo não
pode queimá-lo! Água não pode afogá-lo! Como nós poderemos destruí-lo
antes que ele nos destrua?”
O cinema fantástico produzido nos saudosos anos 1960 foi
principalmente caracterizado por uma infinidade de filmes de baixo
orçamento totalmente despretensiosos, e que com suas histórias simples
(mesmo utilizando-se de roteiros cheios de falhas), e com seus efeitos
especiais precários, conseguiam divertir de uma forma inusitada, sempre
sendo relembrados pelos fãs e transformados pelos colecionadores em
preciosas e cultuadas raridades.
Foram dezenas de filmes de puro entretenimento como as
produções sangrentas do diretor Herschell Gordon Lewis, destacando-se
“Banquete de Sangue” (1963), por sua violência explícita, ou o magnífico
ciclo de filmes de Roger Corman inspirados na obra do escritor Edgar
Allan Poe, ou as diversas produções góticas da “Hammer” inglesa, que
revitalizaram o cinema de horror com seus monstros fotografados em
cores, ou os filmes de monstros japoneses nos grandes confrontos entre
Godzilla e criaturas similares, ou o obscuro “Demência 13” (1963),
primeiro filme de Francis Ford Coppola, ou ainda os filmes italianos de
Mario Bava como “Black Sabbath” (1964) e “O Planeta dos Vampiros”
(1965), além dos clássicos consagrados como “Psicose” (1960), “Os
Inocentes” (1961), “Desafio ao Além” (1963), “O Homem dos Olhos de
Raio-X” (1963), “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) e “O Bebê de Rosemary”
(1968), entre muitos outros.
Mais uma outra preciosidade dessa geração é o filme inglês
“Carrasco de Pedra” (It!, 1967), dirigido, escrito e produzido pelo
desconhecido Herbert J. Leder, e trazendo o ótimo ator Roddy McDowall
liderando o elenco. Com um argumento modesto, explorando basicamente a
famosa lenda do “Golem”, uma estátua de pedra que ganha vida e torna-se
um monstro assassino, o filme é outro exemplo de uma diversão sem
compromisso, típico da década de 1960.
Na história, o curador de um museu inglês, Harold Grove (Ernest
Clark), e seu assistente, Arthur Pimm (Roddy McDowall), estão
investigando um incêndio que destruiu um dos galpões que guardava obras
de arte. Misteriosamente, eles encontram uma única peça intacta e não
destruída pelo fogo: uma grande estátua de pedra no formato de um homem.
Após a morte misteriosa de Grove, a estátua é levada até o museu
causando um estranho fascínio em Pimm, que acaba descobrindo uma
terrível maldição relacionada à tradicional lenda do “Golem”. Segundo a
lenda, uma estátua de pedra de 1500 Kg teria sido criada pelo Rabbi Loew
na antiga Tchecoslováquia, na cidade de Praga, durante o século XVI, e
teria o poder de possuir vida própria sendo a responsável por mortes e
destruição, seguindo as vontades de quem descobrisse como manipular a
maldição e consequentemente os atos da estátua viva, que representaria a
fúria e ódio primitivos da humanidade.
“Aquele que encontrar o segredo da minha vida aos seus pés, eu
servirei a ele até o fim dos tempos. Aquele que me invocar no século
XVII, cuidado, porque eu não poderei ser destruído pelo fogo. Aquele que
me invocar no século XVIII, cuidado, porque eu não poderei ser
destruído pelo fogo nem pela água. Aquele que me invocar no século XIX,
cuidado, porque eu não poderei ser destruído pelo fogo, nem pela água,
nem pela força. Aquele que no século XX ousar me invocar, cuidado,
porque nem pelo fogo, nem pela água, nem pela força e nem por nada
criado pelo Homem, poderei ser destruído. Aquele que me invocar no
século XX deve vir das mãos de Deus, porque aqui nesta terra, a figura
do Homem já não existirá mais.” – palavras traduzidas a partir de
hieróglifos transcritos da estátua de pedra.
Após ler cuidadosamente essas palavras, não consigo impedir
minha curiosidade em imaginar como seria então as consequências se o
terrível Golem fosse invocado em nosso século XXI...
A criatura de pedra (interpretada por Alan Sellers), ou melhor,
o “Carrasco de Pedra”, como sugere sabiamente o título nacional do
filme, é indestrutível, não sendo afetado nem pelo ataque de tiros, fogo
ou água, conforme anuncia a curiosa “tagline” (reproduzida logo no
início desse artigo). Pimm é apenas um jovem assistente no museu, que é
dirigido pelo Sr. Trimingham (Oliver Johnston), porém ele é possuidor de
um caráter e sanidade duvidosos, cuja principal ambição é assumir a
direção do museu. Quando descobre um meio de utilizar a estátua em seu
benefício, ele passa o ordenar que ela elimine toda e qualquer pessoa
que de forma indesejada atrapalhasse seus planos de cobiça e vaidade
(que inclui a derrubada de uma enorme ponte sobre um rio, matando várias
pessoas, através da força descomunal do Golem, além também do auxílio
da estátua no roubo de valiosas jóias do próprio museu).
Uma vez nutrindo um amor não correspondido pela jovem Ellen
Grove (Jill Haworth), filha de seu antigo patrão assassinado, Pimm
começa também a enfrentar problemas com a chegada do americano Jim
Perkins (Paul Maxwell), representante de um museu de New York
interessado na compra da estátua, desde que verificada sua autenticidade
histórica. Além disso, surgem ainda uma dupla de policiais, Inspetor
White (Noel Trevarthen) e Detetive Wayne (Ian McCulloch), que estão
investigando as várias mortes supostamente acidentais que estão
ocorrendo no museu, sempre com um envolvimento misterioso da estátua. E
para complicar ainda mais os planos de Pimm em assumir o controle do
museu, aparece um novo patrão na figura do arrogante Professor Weal
(Aubrey Richards), contra quem logo surge uma incompatibilidade e um
inevitável atrito que também acabou de forma trágica.
Após ser descoberto e perseguido pela polícia, Pimm é
encarcerado num hospital penitenciário, porém com o Golem sob seu
controle mental, a estátua indestrutível veio em seu resgate com ambos
fugindo e deixando um rastro de escombros, com direito até a um ataque
com uma ogiva nuclear, enfatizando a interessante pergunta proposta pela
“tagline” do filme: “Como iremos destruir o Golem antes que ele nos
destrua?”
“Carrasco de Pedra” é um filme completamente despretensioso,
que acaba divertindo justamente por sua história simples e ingênua, a
despeito de todas as enormes falhas de roteiro e situações
inverossímeis, como por exemplo a locomoção do Golem saindo do museu sem
ser notado, ou pior ainda, quando utiliza sua força para desabar
literalmente uma ponte imensa, caminhando depois tranquilamente pelas
ruas de Londres. As cenas de violência são fracas, os efeitos especiais
são pobres, a caracterização do Golem é apenas mediana, e percebe-se
claramente vários erros de continuidade e diálogos banais, mas tudo isso
não compromete a diversão desde que o espectador compreenda o espírito
de uma produção de baixo orçamento e se envolva no clima de um filme que
quer apenas contar uma história sobrenatural.
O ator inglês Roddy McDowall nasceu em Londres em 1928 e
faleceu aos 70 anos na California, Estados Unidos, vítima de câncer. Sua
vasta carreira é composta por atuações em 160 filmes, o que é uma marca
expressiva. E dentre sua filmografia destacam-se trabalhos
significativos em filmes consagrados do cinema fantástico como o
clássico de assombração “A Casa da Noite Eterna” (1973), a série de
ficção científica da TV “Viagem Fantástica” (1977), e principalmente a
saga do cinema e televisão “O Planeta dos Macacos”, participando de
todos os filmes e episódios na pele de um macaco chimpanzé (Cornelius e
Caesar nos cinco filmes do cinema e Galen na série de TV, que teve
quatorze episódios). Mais recentemente, em meados dos anos 1980, ele
ainda participou de “A Hora do Espanto” (1985), um importante filme de
vampirismo que teve uma continuação inferior produzida em 1989.

Curiosamente, o filme recebeu outros dois títulos originais
para sua distribuição ao redor do mundo, sendo também conhecido como
“Anger of the Golem” ou “Curse of the Golem”. O nome brasileiro
escolhido, “Carrasco de Pedra”, ficou até interessante pela coerência
com o argumento do filme, apesar de se distanciar bastante da tradução
literal do original.
As filmagens ocorreram no “Merton Park Studios”, em Londres,
onde foram realizados outros vários filmes divertidos do gênero como
“Alta Voltagem” (The Projected Man, 1966), contando também com locações
reais no “The Imperial War Museum”. “Carrasco de Pedra” não está
disponível no mercado brasileiro de vídeo VHS e DVD, sendo exibido às
vezes em canais de televisão por assinatura.
Como característica tradicional e elemento sempre presente
nesses tipos de filmes, não faltou a cena clássica (apesar de bem
rápida) onde o monstro, na figura do imponente Golem, carrega em seus
braços a mocinha indefesa, no caso a jovem Ellen Grove, interpretada
pela bela atriz inglesa Jill Haworth, que também participou de outro
divertido filme de horror, “Estranhas Mutações” (1973), ao lado do
“cientista louco” Donald Pleasence.
Outra curiosidade, e prefiro entender como uma homenagem do
diretor Herbert J. Leder em vez de plágio, é a inclusão da mãe de Pimm
como um cadáver preservado pelo filho meio insano, numa situação
praticamente igual já explorada anteriormente, e de forma magistral,
pelo mestre Alfred Hitchcock no clássico “Psicose” (1960), envolvendo o
psicopata Norman Bates e sua mãe repressora, cujo cadáver era mantido
por ele e influenciava suas atitudes criando-lhe uma dupla
personalidade.
A lenda do Golem, a estátua de pedra assassina que cria vida
própria, já foi muito explorada pelo cinema fantástico, sendo tema de
diversos filmes mudos alemães como “Der Golem” (1915), “Der Golem und
die Tanzerin” (1917) e “Der Golem, wie er in die Welt kam” (1920), todos
dirigidos, escritos e estrelados por Paul Wegener, além do francês “Le
Golem” (1936).
“O poder traz destruição. Cuidado para não desencadeá-lo..”.
Carrasco de Pedra
(It!, Inglaterra / Estados Unidos, 1967). Duração: 97 minutos. Direção,
roteiro e produção de Herbert J. Leder. Fotografia de Davis Boulton.
Música de Carlo Martelli. Edição de Tom Simpson. Elenco: Roddy McDowall
(Arthur Pimm), Jill Haworth (Ellen Grove), Paul Maxwell (Jim Perkins),
Aubrey Richards (Professor Weal), Ernest Clark (Harold Grove), Oliver
Johnston (Trimingham), Noel Trevarthen (Inspetor White), Ian McCulloch
(Detetive Wayne), Alan Sellers (Golem), Richard Goolden, Russell Napier,
Dorothy Frere, Frank Sieman, Steve Kirby, Mark Burns, Tom Chatto,
Raymond Adamson, Lindsay Campbell, Brian Haines, John Baker.
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