
Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 08/12/05
Um dos sub-gêneros mais interessantes e que exerceram um imenso
fascínio no cinema fantástico do passado certamente foi o dos filmes
abordando “homens transformados em monstros”, ou seja, os famosos
“cientistas loucos” em meio as suas misteriosas experiências ameaçadoras
para a humanidade.
Dentro de uma infinidade de divertidos e significativos filmes
enfocando argumentos dentro desse estilo do horror e ficção científica,
podemos citar apenas para exemplificar algumas preciosidades raras como
“O Raio Invisível” (The Invisible Ray, 1936), com a dupla Boris Karloff e
Bela Lugosi, onde Karloff é um cientista envolvido numa experiência com
um elemento químico altamente radioativo trazido do espaço por um
meteoro, e que em contato com essa substância letal adquiriu o poder de
um “raio invisível” e mortal, influenciando sua mente e transformando-o
em assassino; ou “A Mosca da Cabeça Branca” (The Fly, 1958), com David
Hedison e Vincent Price, com o primeiro sendo um cientista determinado a
conseguir transportar matéria viva pelo tempo e espaço e que ao usar a
si mesmo como cobaia numa experiência, acidentalmente mistura suas
moléculas com a de uma mosca doméstica, transformando-se num monstro; ou
ainda “Alta Voltagem” (The Projected Man, 1966), com Bryant Haliday
interpretando também um cientista trabalhando no teletransporte de
matéria e que num acidente de uma experiência mal sucedida transforma-se
num assassino elétrico disforme, capaz de matar apenas com um toque de
sua mão.
De forma similar a essas tragédias pessoais de cientistas
obcecados por conhecimento científico e que cujas experiências fatais os
transformaram em ameaças monstruosas, vale citar uma pequena obra prima
de baixo orçamento de 1963, produzida e dirigida por Roger Corman,
famoso cineasta multifuncional conhecido como “O Rei dos Filmes B”,
responsável pela direção de mais de 50 filmes e principalmente pela
produção de mais de 330 películas.
Trata-se de “O Homem dos Olhos de Raio-X” (“X” – The Man With
the X-Ray Eyes), um thriller de FC com o talentoso ator Ray Milland
(falecido em 1986) fazendo o papel do cientista Dr. James Xavier, que
está trabalhando num projeto científico desenvolvendo um colírio
especial, uma solução formada por hormônios e enzimas alterados batizada
de “X”, capaz de aumentar a capacidade de visão humana. Segundo ele, o
olho humano apenas tem um alcance de percepção de 90% do universo e uma
vez inconformado com isso, o cientista concentra seus esforços num meio
de aumentar o potencial da visão, utilizando primeiramente como cobaia
um macaco. Porém, a experiência, apesar de bem sucedida num primeiro
instante, causa a morte do animal em um ataque cardíaco, devido ao fato
dele não estar preparado para o que viu. O Dr. Xavier acredita que o
colírio é capaz de estimular a visão para além dos objetos sólidos e
decide testar a fórmula em si mesmo, antes de testes mais definitivos,
por sentir-se fortemente pressionado por um corte de verbas através da
bela Dra. Diane Fairfax (Diana Van der Vlis), representante da Fundação
de Pesquisas que financia seu projeto.
Solicitando a ajuda de um colega oftalmologista, o Dr. Samuel
Brant (Harold J. Stone), o cientista recebe o soro em gotas em seus
olhos aumentando o alcance dos comprimentos de onda além do que se pode
ver, ganhando inicialmente uma visão fragmentada, com muita luz
brilhante, e passando depois a enxergar através de objetos sólidos e
superfícies, transformando-se num “homem com olhos de raio-x”.
Acostumando-se aos poucos com sua nova condição sobre-humana, ele
continua a utilizar o colírio e sua visão adquire cada vez mais poderes
de percepção únicos. (Destaque para uma engraçada cena onde o cientista
se diverte numa festa, dançando desajeitado e observando as mulheres
através de seus vestidos). Sua visão apurada acaba permitindo também ver
problemas de difícil diagnóstico em pacientes submetidos à cirurgias
delicadas, com melhores resultados que as próprias máquinas de raio-x,
“vendo o que nenhum homem jamais viu”. Porém, após sua interferência
indesejada numa operação de coração de uma menina, ele foi acusado de
falta de ética pelo cirurgião responsável, Dr. Willard Benson (John
Hoyt), apesar do sucesso da operação.
Sentindo-se isolado e não compreendido, com suas pesquisas
canceladas pela Fundação patrocinadora, e após seu envolvimento num
acidente que causou a morte do amigo Dr. Brant, o cientista foi obrigado
a fugir e refugiou-se num circo utilizando o nome artístico de
“Mentallo – O homem que vê tudo”, trabalhando como adivinhador e
posteriormente até como curandeiro, sendo chantageado por um vigarista,
Crane (Don Rickles), que descobriu posteriormente sua real identidade.
Aproveitando a oportunidade de ganhar algum dinheiro, o Dr. Xavier
consegue novamente montar um laboratório improvisado e continuar suas
experiências científicas com o colírio especial, tentando encontrar uma
cura para seu mal. Sua situação piorava a cada momento, chegando ao
ponto de sentir-se como se seus olhos estivessem eternamente abertos,
sendo necessário usar enormes óculos escuros para aliviar o desconforto.
Inevitavelmente o cientista acabou sendo descoberto pelos
policiais e obrigado a fugir, auxiliado agora pela Dra. Fairfax, que
acabou se aproximando dele como amiga e ensaiando até um pequeno romance
entre eles. E num momento de total confusão mental devido ao incrível
poder de visão que possuía, eles travaram um diálogo a bordo de um carro
que transitava pela cidade, transmitindo de forma dramática o horror
vivido pelo protagonista:
“O que estava olhando?”, perguntou a Dra. Fairfax.
“A cidade. Como antes
de nascer, subindo para o céu como um dedo de metal. Membro sem carne.
Viga sem pedras. Anúncios pendurados sem apoio. Fios esticados e
balançando sem postes. Uma cidade não nascida. Carne dissolvida num
ácido de luz. Uma cidade de mortos”, respondeu de forma amargurada o cientista.
Eles viajam então até Las Vegas (conhecida como “a
cidade de luz eterna”, numa referência proposital de Corman ao drama do
cientista que não conseguia dormir e nem parar de ver tudo ao seu redor),
e onde o Dr. Xavier pretende ganhar dinheiro para suas experiências
utilizando seu poder de visão, enxergando além das cartas e máquinas de
jogos nos cassinos, até que desperta a atenção da polícia e é obrigado
novamente a fugir, dessa vez sozinho. Ele dirige um carro por uma
estrada sendo perseguido por um helicóptero da polícia, e aqui ocorre um
grande furo no roteiro pois como seria possível para o cientista
dirigir um carro se ele vê através de todas as coisas, não reconhecendo a
presença de cruzamentos, sinais e outros carros...?
Após uma série de perseguições, e totalmente desorientado,
muito próximo de um colapso físico, o Dr. Xavier sofre um acidente na
estrada, e passa a caminhar sem destino pelo deserto de Nevada até
encontrar uma tenda de evangélicos itinerantes, onde um pastor (John
Dierkes) estava celebrando um culto. Foi a última coisa que viu, para o
fim de seu martírio, num final definitivamente antológico, digno das
mais memoráveis sequências da história do cinema fantástico.
“É um pecador? Deseja ser salvo?”, questionou o padre ao ver o cientista totalmente abalado.
“Salvo? Não... Vim
para lhes dizer o que eu vejo. Há grande escuridão, mais longe que o
próprio tempo... E além da escuridão, uma luz que brilha e muda... E no
centro do universo, o olho, que nos vê a todos.”, respondeu o Dr. Xavier, no limite de sua sanidade.
“Você vê o pecado e o
diabo. Mas o senhor nos diz o que temos que fazer. Diz Mateus no
Capítulo 5: Se teu olho te ofende, irmão, arranca-o!”, ordenou finalmente o pastor.
“O Homem dos Olhos de Raio-X” é um típico exemplo que um ótimo
filme de horror e ficção científica não precisa necessariamente
apresentar apenas roteiros destacando sangue em profusão, atrocidades
diversas, modernos efeitos especiais, violência gratuita ou psicopatas
mascarados sobrenaturais e assassinos. Podendo ser muito mais profundo e
aterrador do que tudo isso, basta para um filme explorar uma história
inteligente que evidencia o drama interior do próprio Homem em sua
incansável e muitas vezes inconsequente busca pelo conhecimento
científico. Principalmente quando este homem transforma-se numa vítima
de suas próprias experiências ainda em desenvolvimento. Nesse caso
específico, um cientista envolvido num projeto pressionado pelos
patrocinadores em busca de resultados, e cujas consequências fatais o
levaram gradativamente a um estado desesperador de compreensão de uma
nova realidade, confundindo razão e insanidade, através de um poder de
visão incomensurável, e para o qual a humanidade não estaria preparada.
O filme possui efeitos especiais modestos, mostrando as visões
distorcidas e manchadas do Dr. Xavier, investindo muito mais no horror
sugerido pelo drama incomum de um homem da ciência à beira da loucura.
Tendo somente 79 minutos de duração e um orçamento avaliado em apenas
US$ 300 mil em 15 dias de filmagens, foi dirigido pelo especialista
Roger Corman, que construiu toda sua carreira através de filmes super
divertidos com custos pequenos como “A Pequena Loja dos Horrores”
(1960), filmada em poucos dias e aproveitando cenários já usados (este
filme inspirou uma refilmagem musical homônima em 1986), além de dezenas
de outras significativas produções que traziam histórias baseadas em
Edgar Allan Poe e interpretadas por astros consagrados do horror como
Vincent Price, Boris Karloff, Peter Lorre e Basil Rathbone. A principal
virtude de sua obra está na força de roteiros inteligentes, sendo nesse
caso do “O Homem dos Olhos de Raio-X” um de seus melhores trabalhos de
baixo orçamento entre os saudosos anos 1950 e 60, escrito a partir de
uma história de Ray Russell (responsável por “Mr. Sardonicus”/1961 e
“The Premature Burial”/1962, também com Ray Milland). Apresentando um
horror verdadeiro através do drama de um homem transformado em monstro,
sua trajetória de sucesso inicial com breve triunfo e depois um mergulho
num pesadelo por possuir o poder de enxergar através das barreiras dos
espaços físicos, além dos corpos, construções e matérias terrestres,
indo em direção ao centro do universo, muito além do que é permitido
pela compreensão humana.
Foi lançado em DVD no Brasil pela “Classic Line” em Maio de 2003.
“O Homem dos Olhos de Raio-X” (“X” – The Man With the X-Ray Eyes, 1963)





































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