Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 07/12/05
“Como dizemos aos clientes,
quando um ente querido dorme o sono eterno, deixe a Funerária Hinchley
& Trumbull cuidar do empacotamento.”
Um interessante filme de baixo orçamento produzido pela dupla
de especialistas Samuel Z. Arkoff e James H. Nicholson (responsáveis por
uma infinidade de pérolas do cinema fantástico) é “Farsa Trágica” (The
Comedy of Terrors, 1964, também conhecido como “The Graveside History”,
lançado no Brasil em vídeo VHS pela “Globo” e fora de catálogo há muitos
anos).
Considerado um clássico absoluto do humor negro, sem a
exposição de violência e apenas utilizando discretas sugestões, “Farsa
Trágica” reuniu quatro dos maiores atores do cinema de horror de todos
os tempos, Vincent Price (1911-1993), Boris Karloff (1887-1969), Peter
Lorre (1904-1964) e Basil Rathbone (1892-1967). E foi dirigido por outro
grande nome do gênero fantástico, o francês Jacques Tourneur
(1904-1977), responsável também por preciosidades como “Cat People”
(1942), produzido pelo lendário Val Lewton, “Night of the Demon” (1957) e
“War Gods of the Deep” (1965).
Filmado em apenas vinte dias, com turno de trabalho de doze
horas diárias, o filme utilizou os mesmos cenários do macabro cemitério
que faziam parte do set de filmagens de “The Premature Burial” (1962),
dirigido por Roger Corman e baseado em obra de Edgar Allan Poe. O
roteiro de “Farsa Trágica” é também de outro especialista no gênero, o
consagrado Richard Matheson, um dos principais escritores, junto com Ray
Bradbury, dos episódios da série original da televisão “Além da
Imaginação” (1959/64), além também de escrever os argumentos de
clássicos como “O Incrível Homem Que Encolheu” (1957) e “A Casa da Noite
Eterna” (1973).
Trazendo alguns dos momentos de humor negro mais inesquecíveis e
antológicos da história, com cenas super engraçadas e muito bem
protagonizadas pelo fantástico quarteto de atores principais, que
parecem se divertir mais do que o próprio público com suas performances
refinadas, o filme é uma aula de cinema no gênero “Comédia dos
Terrores”.
Por volta de 1890, uma agência funerária de New England passa
por graves dificuldades financeiras com poucos clientes. Seus
proprietários são Waldo Trumbull, interpretado por Vincent Price, e seu
sogro, Amos Hinchley, um velho decrépito, meio surdo e dominhoco,
interpretado por Boris Karloff. Trumbull é casado com a bela Amaryllis
(Joyce Jameson), uma esposa negligenciada pelo marido alcoólatra e que
vive quebrando os copos da casa com seus gritos agudos de frustração,
pois seu sonho era ser cantora de ópera e constantemente ela está
exercitando sua arte pela casa. O ex-presidiário fugitivo e desengonçado
Felix Gillie (Peter Lorre, excepcional ator húngaro que morreu pouco
tempo depois do lançamento do filme) é o assistente de Trumbull e está
apaixonado pela desprezada Amaryllis. Trumbull tenta também
frequentemente matar seu sogro e sócio através da ingestão de um veneno,
o qual o velho esclerosado pensa ser apenas um simples remédio.
A situação ruim da funerária torna-se ainda mais desastrosa
quando o proprietário do prédio onde funciona o estabelecimento, John F.
Black (Basil Rathbone), aparece para cobrar o aluguel atrasado de um
ano inteiro. A única solução que Trumbull descobriu foi a de criar
“clientes”, e com a ajuda de seu assistente desajeitado, que já foi
ladrão de banco, eles passam a procurar cidadãos ricos à noite para
matá-los e oferecer seus serviços funerários à família. Como a sorte não
estava do lado deles, sempre que criavam um “cliente”, a viúva
desconsolada e supostamente inocente acabava fugindo com o dinheiro do
marido e não pagava os honorários da funerária. Diante disso, a solução
do problema foi fazer com que o próprio dono do prédio, Sr. Black, que
sofria de catalepsia, uma rara e terrível doença que dá a impressão da
vítima estar morta, virasse também um “cliente” forçado. Após várias
tentativas inúteis de matá-lo, finalmente Trumbull e seu assistente
Gillie conseguem seu objetivo, porém, Black acorda da inconsciência de
sua doença e saí da cripta pertencente aos seus familiares, partindo
para a vingança.
Como curiosidade, no elenco há o destaque até de uma gata atriz
devidamente creditada como “Rhubard”, que interpretou o papel de
“Cleópatra”, uma gata amarela de estimação da família Hinchley, que
aparece em muitas cenas.
São tantas as sequências hilariantes que é impossível não rir
com satisfação das cenas, como no confronto mortal e quase interminável
entre Black e Trumbull, com o primeiro demonstrando sofrer de catalepsia
e simular a morte várias vezes, sempre ressurgindo e declamando poemas
de William Shakespeare. Ou no velório do Sr. Black, onde Amaryllis está
cantando com sua voz aguda uma música fúnebre em homenagem ao suposto
“falecido”, que tem uma letra no mínimo curiosa, parodiando os
acontecimentos em torno da doença do Sr. Black:
“Ele não está morto, mas dormindo. Ele não está morto mesmo.
Seus olhos se abrirão e ele verá as belezas da eternidade. Ele não nos
deixou, pois constantemente poderemos ver que ele observa tudo que
fazemos”.
A dupla interpretada por Vincent Price e Peter Lorre é
simplesmente impagável, com trocas de diálogos e expressões faciais
super engraçadas. Para se ter uma idéia da canastrice de ambos, eles
utilizam o mesmo caixão da funerária por 13 longos anos, sendo que após a
cerimônia de enterro dos clientes e com suas famílias indo embora do
cemitério, eles rapidamente retiram o corpo do caixão e o enterram
direto na terra, aproveitando o ataúde para o próximo funeral.
Ambos os atores estiveram juntos também em outro filme
igualmente excepcional, “Muralhas do Pavor” (Tales of Terror, 1962),
dirigido e produzido por Roger Corman e também com roteiro de Richard
Matheson em três histórias baseadas em contos de Edgar Allan Poe. Num
dos episódios, Price e Lorre são dois rivais degustadores profissionais
de vinho, e eles travam um disputado duelo para reconhecer a qualidade,
marca e idade de vários vinhos finos, utilizando métodos estranhos e
fora do comum, onde se destacam as mais inusitadas expressões faciais
que fariam um morto levantar de sua tumba de tanto rir.
Enfim, “Farsa Trágica” é um clássico do humor negro refinado,
sem sangue nem violência, apenas utilizando um roteiro inteligente com
um clima mórbido de discreto horror, uma autêntica “comédia dos
terrores”, como diz o título original. Um filme para ser homenageado e
relembrado sempre, como um exercício de puro entretenimento e para
manter eterno o fascinante cinema fantástico produzido por consagrados
nomes do passado como Jacques Tourneau, Richard Matheson, Vincent Price,
Peter Lorre, Boris Karloff, Basil Rathbone, e outros tantos mais...
Farsa Trágica (The Comedy of Terrors / The Graveside History, Estados Unidos, 1964). American International Pictures. Duração:
88 minutos. Direção de Jacques Tourneur. Roteiro de Richard Matheson.
Produção de Anthony Carras, Richard Matheson, Samuel Z. Arkoff e James
H. Nicholson. Fotografia de Floyd Crosby. Maquiagem de Carlie Taylor.
Música de Les Baxter. Edição de Anthony Carras. Desenho de Produção de
Daniel Haller. Efeitos Especiais de Pat Dinga e Butler-Glouner. Elenco:
Vincent Price (Waldo Trumbull), Boris Karloff (Amos Hinchley), Peter
Lorre (Felix Gillie), Basil Rathbone (John F. Black), Joyce Jameson
(Amaryllis Trumbull), Buddy Mason (Sr. Phipps), Joe E. Brown (Coveiro),
Douglas Williams (Doutor), Beverly Powers (Sra. Phipps), Alan DeWitt
(Empregado do Sr. Black), Linda Rogers (Empregada da Sra. Phipps), Luree
Holmes (Garota), Gato “Rhubard” (Cleópatra).
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