
Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data:01/10/07
“Um grupo de sete pessoas se refugia numa casa de campo isolada, cercados por uma legião de mortos-vivos que querem devorá-los”.
Essa é a idéia básica do roteiro do clássico em preto e branco
de George A. Romero “A Noite dos Mortos-Vivos” (Night of the Living
Dead, 1968). Idéia essa aproveitada em excesso por toda uma safra de
filmes posteriores. O grupo é formado por Ben (Duane Jones), um vendedor
que estava em serviço dirigindo uma camionete, Barbara (Judith O´Dea),
que visitava o túmulo do pai num cemitério na pequena cidade de Willard,
juntamente com o irmão Johnny (Russell W. Streiner, que foi um dos
produtores do filme), além de um covarde pai de família, Harry Cooper
(Karl Hardman, também produtor), sua esposa Helen (Marilyn Eastman) e a
filha pequena Karen (Kyra Schon), que tiveram um acidente de carro e a
menina foi mordida no braço. Completando ainda o grupo, temos o casal de
namorados adolescentes Tom (Keith Wayne) e Judy (Judith Ridley), que
passeavam planejando nadar num lago. Todos foram surpreendidos
repentinamente por uma avalanche de crimes em massa, com os mortos não
sepultados se reanimando nos hospitais, necrotérios e velórios, atacando
os vivos e devorando suas vítimas, espalhando uma contaminação em
escala crescente.
Um satélite explodido pela NASA na órbita da Terra, e que
retornava de uma missão espacial ao planeta Vênus, carregava uma elevada
quantidade de radiação, que misteriosamente serviu de componente
ativador no cérebro das pessoas mortas, criando mutações e fazendo-as
novamente caminhar entre os vivos à procura de carne, espalhando uma
contaminação e instaurando o caos na civilização. A única forma de
detê-los é com ferimentos na cabeça, destruindo as funções cerebrais, ou
através da cremação.
O grupo de refugiados precisa superar primeiramente os
conflitos internos, numa reação típica da raça humana quando as pessoas
são acuadas e submetidas a uma forte pressão psicológica. Não faltam as
inevitáveis brigas pela liderança das ações, com as diferenças de
opiniões, transformando eles próprios em inimigos, para depois tentarem
juntos combater a invasão dos mortos-vivos e lutarem pela vida,
procurando chegar até alguma das estações de resgate montadas pelas
autoridades para receber os sobreviventes.
“Aí vêm eles, erguendo-se do fundo dos túmulos, enchendo a
noite de gritos, manchando a terra de sangue... Aí estão eles,
caminhando ao ritmo da morte, limpando o sangue dos lábios...”
Podemos considerar que “A Noite dos Mortos-Vivos”, uma
produção de baixo orçamento escrita por John Russo e George Romero, é o
filme definitivo que inaugurou o tema sobre zumbis comedores de carne
humana (curiosamente o termo “zumbi” nunca é citado ao longo do filme).
Antes tivemos outros filmes que exploraram a idéia de mortos-vivos,
principalmente o clássico “Zumbi Branco” (White Zombie, 1932), de Victor
Halperin e com Bela Lugosi, lançado em VHS no Brasil, e uma espécie de
refilmagem dessa mesma história, produzida pelo estúdio inglês “Hammer”
em 1966, “Epidemia de Zumbis” (The Plague of the Zombies), de John
Gilling e com Andre Morell, lançado em DVD por aqui pelo selo “Dark
Side” da “Works Editora”. Porém, esses filmes apresentaram um roteiro
onde os mortos-vivos seriam trabalhadores reanimados por magia negra
para servirem de escravos, algo mais distante das criaturas concebidas
por George Romero, as quais atacavam os vivos para devorar suas carnes.
Depois de “A Noite dos Mortos-Vivos”, veio uma infinidade de filmes com
zumbis canibais espalhando sangue para todos os lados, destacando uma
série de películas italianas sobre o tema, e especialmente do diretor
Lucio Fulci.
O clássico de Romero recebeu também uma versão colorizada por
computador (desnecessária e artificial, numa atitude tipicamente
comercial), e teve uma ótima refilmagem em 1990 dirigida por Tom Savini,
que é mais conhecido como um talentoso técnico em maquiagem (longe da
modernidade do CGI). O filme de 1968 deu também início para uma cultuada
franquia com mais três filmes, “Despertar dos Mortos” (Dawn of the
Dead, 1978), “O Dia dos Mortos” (Day of the Dead, 1985) e “Terra dos
Mortos” (Land of the Dead, 2005), todos dirigidos pelo mestre Romero,
que sempre aproveitou os roteiros para inserir inteligentes e
pertinentes críticas sociais e elementos políticos como a influência do
consumismo desenfreado na sociedade, a intransigência e arrogância
militar trazendo conseqüências catastróficas, e a injustiça e diferenças
de classes sociais, mais evidenciadas ainda nos momentos de crise e
caos.
Os destaques são muitos, mas um dos principais é a ousadia dos
realizadores em filmar um desfecho trágico completamente fora do
trivial e que deve ser enaltecido, surpreendendo o espectador. São
poucos os filmes, principalmente os produzidos há quase quatro décadas
atrás, que apresentam finais perturbadores e inesperados. Outro exemplo
que merece ser lembrado é “O Massacre da Serra Elétrica” (The Texas
Chainsaw Massacre, 1974), de Tobe Hooper, na seqüência final entre
Leatherface e a “scream queen” Sally Hardesty (Marilyn Burns). Os finais
de quase todos os filmes com mortos-vivos são sempre os mesmos (e essa
revelação nem pode mais ser considerada “spoiler”), com a civilização
humana sendo aniquilada inevitavelmente pela invasão dos zumbis, e no
caso de “A Noite dos Mortos-Vivos”, o desfecho trágico é ainda outro, e
nem por isso menos intenso e pessimista.
Entre a imensa quantidade de curiosidades, vale ressaltar algumas delas:
* Em 1985 foi lançado pela editora americana “Harmony Books”,
um livro de referências escrito por John Russo, co-roteirista do filme,
chamado “The Complete Night of the Living Dead Filmbook”. O livro é um
verdadeiro compêndio com dezenas fotos e cartazes do clássico, além de
preciosos depoimentos e entrevistas com os principais profissionais
envolvidos no projeto, desde os próprios Romero e Russo, passando pelos
produtores Karl Hardman e Russel Streiner, além do elenco. Um trabalho
literário indispensável para os colecionadores. John Russo também lançou
um livro com o roteiro do filme, lançado em Portugal pela coleção de
horror “Pendulo”, número 27, da Editora “Europa-América”.
* O filme foi lançado em VHS no Brasil nos anos 90 pela “VTI”,
com uma capa colorida ridícula e mal feita. Depois ele foi lançado em
DVD por aqui em quatro oportunidades: primeiramente pela “Continental” e
depois em 2007 por uma editora que distribuiu o filme nas bancas pela
coleção “Clássicos do Horror” número 3, e pela “Cinemagia”, numa edição
especial comemorativa dos 40 anos (mas com poucos extras não
justificando o marketing feito pela distribuidora). Em 2009, a “NBO”
lançou uma edição especial de colecionador, trazendo a versão colorizada
por computador e a versão original em P&B como material extra.
* A família Cooper, que se refugiou no porão da casa de campo,
fugindo dos zumbis, é formada por uma família verdadeira na vida real,
pois Karl Hardman (que fez o patriarca Harry) é casado com Marilyn
Eastman (interpretando a esposa Helen), e Kyra Schon é sua filha
(fazendo o papel de adolescente Karen), deixando evidentes as condições
limitadas de orçamento da produção, com o recrutamento de familiares
para formar o elenco. Outro exemplo dessa dificuldade está no fato de
que Judith Ridley, que interpretou a jovem Judy, também foi recrutada
para o elenco por já ter trabalhado para Hardman como recepcionista.
* O escritor John Russo teve uma participação rápida no filme,
fazendo o papel de um zumbi que é alvejado por Ben com uma barra de
ferro esmagando sua cabeça.
* Entre os vários títulos alternativos que os realizadores
pensaram para o filme, destacam-se “Monster Flick”, “Night of Anubis” e
“Night of the Flesh Eaters”.
A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, Estados Unidos, 1968).
Direção de George A. Romero.
Roteiro de John A. Russo e George A. Romero.
Edição de George A. Romero.
Produção de Russell W. Streiner e Karl Hardman.
Fotografia de George A. Romero.
Elenco: Duane Jones (Ben), Judith O’Dea (Barbara), Karl Hardman (Harry Cooper), Marilyn Eastman (Helen Cooper), Keith Wayne (Tom), Judith Ridley (Judy), Kyra Schon (Karen Cooper), Russel W. Streiner (Johnny), Charles Craig, Bill Heinzman, George Kosana, Frank Doak, Bill Cardille.
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