
Publicado originalmente no blog Juvenatrix Data: 10/12/05
Quando pensamos em “road movies” com elementos de horror e suspense, o primeiro filme que vem à mente é “Encurralado”
(Duel, 1971), especialmente produzido para a televisão, dirigido por
Steven Spielberg em início de carreira, a partir de um roteiro do
especialista Richard Matheson, e estrelado por Dennis Weaver
(1924/2006), no papel de um caixeiro viajante atormentado e perseguido
por um enorme caminhão conduzido por um psicopata, conforme anuncia
muito bem uma das taglines promocionais do filme (reproduzida no início
desse texto). “Encurralado” serviu de base para uma série de filmes
seguintes explorando o tema de uma máquina assassina sobre rodas como “O
Carro Assassino” (The Car, 1977), sobre um carro possuído pelo demônio,
o episódio “A Benção” (The Benediction) da antologia “Pesadelos
Diabólicos” (Nightmares, 1983), sobre uma pick-up preta igualmente
possuída pelo diabo, além de “Perseguição” (Joy Ride, 2001) e “Velozes e
Mortais” (Highwaymen, 2003), com Jim Caviezel, entre outros.
“Encurralado” é um verdadeiro “duelo” (daí o nome original)
carregado de tensão entre o comerciante em viagem de negócios David Mann
(Weaver), e o motorista de um caminhão tanque cujo rosto nunca aparece
(interpretado pelo dublê Carey Loftin), sendo mostradas apenas as suas
botas e o braço esquerdo. Mann está dirigindo tranqüilamente o seu
carro, um Plymouth vermelho, pelas estradas desertas, quentes e
poeirentas da California, e nunca imaginaria que uma simples
ultrapassagem por um escuro e sujo caminhão de transporte de combustível
(que estava vazio) iria desencadear uma perigosa série de conseqüências
graves envolvendo sua vida e de terceiros inocentes que cruzassem seu
caminho. Pois o motorista do caminhão, uma máquina de poluição do ar
soltando muita fumaça através de seu potente motor, sentiu-se
inexplicavelmente ofendido e decidiu partir para uma briga na estrada,
utilizando seu caminhão como uma arma letal em suas mãos, iniciando um
perigoso jogo psicológico macabro com o inicialmente pacato motorista do
carro, que apenas queria seguir sua viagem normalmente.
O confronto foi progressivamente aumentando o clima de tensão,
com direito a perseguições em alta velocidade, com picos de 150 Km/h,
num percurso cheio de curvas evidenciando um sentimento sufocante do
comerciante em tentar se livrar da ameaça motorizada de uma máquina
assassina guiada por um psicopata que quer matá-lo por causa de um
simples atrito na estrada, culminando após uma série de eventos
alucinantes num desfecho trágico para o duelo.
O filme é um dos primeiros trabalhos do agora consagrado e
famoso cineasta Steven Spielberg, mostrando já no início dos anos 70 o
seu incrível talento como diretor, ajudado pela excepcional história de
Richard Matheson, enfatizando um tipo de paranóia que pode existir nas
estradas e afetar qualquer pessoa. O roteiro é simples e totalmente
ambientado numa estrada e arredores, com poucos personagens, mostrando
basicamente o duelo entre um carro despretensioso e um caminhão
imponente, mas carregado com um clima de tensão, suspense e ação, em
doses dignas dos maiores trabalhos posteriores de Spielberg realizados
com orçamentos milionários.
Steven Spielberg é americano de Cincinnati, Ohio, nascido em
18/12/1946. Entre seus trabalhos no cinema dentro do gênero fantástico
podemos citar “Tubarão” (1975), “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”
(1977), “E.T. – O Extraterrestre” (1982), “Poltergeist, o Fenômeno”
(1982, de forma não creditada, já que oficialmente a direção foi de Tobe
Hooper), um episódio da antologia “No Limite da Realidade” (1983), “O
Parque dos Dinossauros” (1993), “O Mundo Perdido” (1997), “A.I. –
Inteligência Artificial” (2001), “Minority Report – A Nova Lei” (2002), e
“Guerra dos Mundos” (2005), uma refilmagem do clássico de 1953.
O escritor Richard Matheson é americano de New Jersey, nascido
em 1926. Entre seus livros famosos estão “Eu Sou a Lenda” e “O Incrível
Homem Que Encolheu”, que se transformaram nos filmes de sucesso “Mortos
Que Matam” (1964) e “A Última Esperança Sobre a Terra” (1971), no caso
do primeiro livro, e o clássico de FC homônimo de 1957, baseado no
segundo livro. Entre seus trabalhos consagrados como roteirista estão
filmes como “O Solar Maldito” (1960), “A Mansão do Terror” (1961),
“Muralhas do Pavor” (1962), “O Corvo” (1963), “Robur, o Conquistador do
Mundo” (1961), “Farsa Trágica” (1964), “As Bodas de Satã” (1968), “A
Casa da Noite Eterna” e “Drácula”, ambos de 1973, sem contar sua
participação em várias séries de televisão, como “Além da Imaginação” da
década de 1960.
“Encurralado” foi lançado em DVD no Brasil pela “Universal”, e
traz como materiais extras os documentários produzidos em 2001 “Conversa
com o Diretor Steven Spielberg” (Duel – A Conversation With Steven
Spielberg), de 35 minutos, “Steven Spielberg e a Televisão” (Steven
Spielberg and the Small Screen) e “Richard Matheson Escrevendo Duel”
(Richard Matheson – The Writing of Duel), ambos com 10 minutos, além de
um trailer e galeria de fotos e posters. Os depoimentos nos
documentários revelam curiosidades interessantes de bastidores como o
fato do caminhão receber a importância de um verdadeiro protagonista,
sendo submetido a uma sessão de “maquiagem” para parecer velho, sujo,
oleoso e imponente. As filmagens foram feitas em apenas 12 ou 13 dias,
um desafio que nem Spielberg consegue explicar como foi atingido. E a
versão inicial tem apenas 70 minutos, sendo estendida depois para uma
hora e meia para o lançamento do filme na Europa, acrescentando-se
algumas cenas adicionais.
Entre as várias seqüências interessantes de “Encurralado”, um
dos ápices certamente foi quando após uma perseguição violenta na
estrada, o comerciante Mann sai da pista perigosamente em alta
velocidade em direção a uma lanchonete, e bate o carro numa cerca de
madeira, quebrando parte dela. Por sorte, ele apenas torce levemente o
pescoço e decide então entrar no bar para se refrescar no banheiro.
Quando volta, descobre que o caminhão está parado no estacionamento
também e a partir daí se inicia um tenso jogo psicológico com Mann
imaginando quem poderia ser o motorista psicótico entre as várias
pessoas que estavam na lanchonete para almoçarem. Ele fica observando um
a um, tentando reconhecer as botas, num suspense crescente. Realmente é
complicado você saber que alguém que quer matá-lo está no mesmo
ambiente que você e não poder reconhecer quem é o sujeito insano.
O filme todo é enfocado segundo a perspectiva do motorista do
carro, que é a vítima desde o início do duelo, mostrando seus
pensamentos de indignação, revolta e medo perante uma situação
inusitada, onde ele se sente encurralado na estrada por um caminhão
assassino, e tudo por causa de um pequeno e banal desentendimento numa
ultrapassagem despretensiosa.
É interessante notar que assim como no posterior “Um Dia de
Fúria” (Falling Down, 1993), com Michael Douglas enfrentando uma série
de problemas do caos urbano, “Encurralado” também evidencia a incrível
somatória de eventos desastrosos num típico dia ruim para o viajante
David Mann, pois além de ser perseguido sem motivo por um caminhão, ele
ainda teve que enfrentar outras situações desfavoráveis. Primeiro ao
tentar ajudar um ônibus com defeito mecânico, empurrando-o com seu carro
na esperança de conseguir ligar o motor, e apenas conseguindo como
resultado o seu pára-choque enroscado na traseira do ônibus. Depois foi a
vez de seu carro apresentar aquecimento no motor por causa do desgaste
da mangueira do radiador (alertado por um frentista momentos antes), e
perder potência justamente na hora em que ele mais precisava da ação do
carro, ao tentar fugir de seu perseguidor na subida de uma grande serra,
onde o pesado caminhão perde significativamente o seu rendimento.
O desfecho de toda essa paranóia frenética é, assim como todo o
filme, igualmente sensacional, e a sugestão que fica é assistir o filme
para saber qual foi o resultado do “duelo”...
Encurralado (Duel,
Estados Unidos, 1971). Universal. Duração: 89 minutos. Direção de Steven
Spielberg. Roteiro de Richard Matheson, a partir de sua própria
história, publicada na revista “Playboy”. Produção de George Eckstein.
Fotografia de Jack A. Marta. Música de Billy Goldenberg. Edição de Frank
Morriss. Direção de Arte de Robert S. Smith. Elenco: Dennis Weaver
(David Mann), Jacqueline Scott (Sra. Mann), Eddie Firestone, Lou
Frizzell, Gene Dynarski, Lucille Benson, Tim Herbert, Charles Seel,
Shirley O´Hara, Alexander Lockwood, Amy Douglass, Dick Whittington,
Carey Loftin, Dale Van Sickel, Shawn Steinman.
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