
A tendência do cinema de horror
atual é a exposição nua e crua de atos de violência e tortura.
Alimentando os sádicos, são pontos pacíficos a audiência e apreciação
dos fãs do gênero por cenas que envolvem uma pessoa presa, sendo
mutilada por um psicopata, geralmente uma pessoa deformada - para
justificar sem muita história os motivos de seus atos -, que usa objetos
cirúrgicos, instrumentos de reforma e a própria linguagem agressiva.
Essa propenção foi resgatada em 2003 com o sucesso da refilmagem do
clássico "O Massacre da Serra Elétrica" (1974) e continuou presente em "Pânico na Floresta" (2003), "Casa dos 1000 Corpos" (2003), "Alta Tensão" (2003), "Detour", "Rota 666" (2003), "Plataforma do Medo" (2004) "Rejeitados pelo Diabo" (2005), "A Casa de Cera" (2005), "Wolf Creek - Viagem ao Inferno" (2005), "O Albergue" (2005), "Viagem Maldita" (2006), e a lista não encerra por aí, com todas as produções inspiradas em clássicos das décadas de 70 como "Aniversário Macabro" (1972), "Amargo Pesadelo" (1972), "O Massacre da Serra Elétrica" (1974) e "Quadrilha de Sádicos"
(1977). E o que mais assusta é constatar que todos os filmes citados
tiveram como fonte de inspiração verdadeiros assassinos em série como Ed
Gein, que mutilava suas vítimas e usava os ossos e a pele como
acessórios de vestuário e móveis em sua "fazenda do horror". Mais uma
vez é a prova de que o verdadeiro medo não oriunda de seres
sobrenaturais, mas de pessoas comuns.
"Blood Ranch"
(2006) é mais um exemplo dessa inclinação. Trata-se uma produção de
baixo orçamento, com muitos defeitos técnicos e elenco desconhecido,
lançada diretamente para o vídeo em junho de 2006, nos EUA. Uma breve
pesquisa num sistema de busca na internet e o resultado é surpreendente:
a grande maioria a considera um bom exemplar do gênero, inclusive com
afirmações exageradas de que o filme seria melhor até do que a nova
versão do clássico de Wes Craven, "Viagem Maldita". Não é tudo isso. Há
seus bons momentos de violência e sadismo - que dão uma aula ao
músico-diretor Rob Zombie -, porém o roteiro sem originalidade e a
direção fraquíssima reduzem a produção a uma cópia carbono mal-feita de
tudo o que já foi mostrado antes. A narrativa da obra pode ser resumida
usando a velha sequência narrativa montanha-russa: começa bem devagar,
vai se tornando assustador, começa a empolgar, acaba de forma abrupta e
decepcionante. Depois fica a sensação de já ter experimentado isso
antes, deixando um gosto amargo de quase perda de tempo.
O filme começa com quatro
jovens, recém-formados da faculdade, viajando de carro através do
deserto de Nevada em direção ao famoso festival Burning Man. São eles:
Jen (Season Hamilton), Mark (Mike Faiola), Jason (Dayton Knoll) e Val (Madeleine Lindley, que esteve no péssimo "Prisioneiro das Trevas").
Com conversas típicas da idade mental, o grupo discute questões
filosóficas como o destino e o livre arbítrio: "São suas escolhas que
determinam o caminho de sua vida ou o destino que as determina?", diz
Jason, depois de atirar seu livro de filosofia pela janela. Não é
preciso dizer que essa disciplina e o seu uso será de extrema
importância no ato final do longa. Algum tempo depois, o grupo dá carona
a um rapaz na estrada, Alex (Daniel O'Meara),
ex-combatente do Vietnã, a caminho do mesmo festival. Seria um típico
Edwin Neal, o ator que interpretou o caronista do clássico "O Massacre
da Serra Elétrica" (1974)? Não, o pesadelo está apenas sendo construído.
Atrás de papel para Val preparar
sua erva, eles decidem parar num posto de gasolina e aproveitar para
abastecer o veículo. No local, acompanhamos a conversa ao telefone de
uma aflita atendente, o que já dá uma pista do que poderá acontecer em
breve. Ela diz que o movimento está lento, mas que conseguirá o que
"eles" querem e pede para não machucarem uma garota. Enquanto isso, Mark
encontra uma assustadora menina cega, vestindo um pijaminha e
carregando uma boneca amarrada pelo pescoço. O diálogo é importante
registrar:
- Olá.
- Por favor, não fale comigo.
- Por quê?
- Isso me deixa triste.
- O que te deixa triste?
- Não quero sentir sua falta quando você morrer.
- Não se preocupe com isso. Todos morreremos um dia, faz parte da vida.
- Mas, nem todos morremos assassinados.
Minutos depois, essa mesma menina entrará na loja de conveniência e dirá a frase clichê de vários Sexta-Feiras 13: "Vocês todos vão morrer lá".
Num processo que lembra "Pânico na Floresta" e "Viagem Maldita", a
atendente indica uma estrada já desativada e ainda oferece gasolina para
o resto da viagem, dando mais pistas do horror iminente. Seguindo o
conselho recebido, o grupo se despede e continua o passeio, pelas
estradas do deserto, sob um sol escaldante. Em mais uma citação ao
gênero, desta vez ao "Massacre da Serra Elétrica" (2003), eles quase
atropelam uma jovem que caminha no sentido contrário com as roupas
rasgadas e o rosto sujo de sangue. Ela vomita no carro e não dá uma
pista sequer do local de onde poderia estar vindo - imaginei que a
qualquer momento ela fosse tirar um revólver das pernas e estourar os
miolos. Mesmo crente que a jovem fugira do inferno, eles a colocam no
carro e continuam o trajeto pelo deserto.
Pouco tempo depois, cruzam com
um furgão negro vindo em sentido contrário. O carro faz a meia-volta e
passa a perseguí-los, tentando tirá-los da estrada a todo custo,
lembrando a genial introdução de "Olhos Famintos". Alex, o caronista,
pede que encostem o veículo, desce, saca um revólver e dá vários tiros
contra o carro negro, que se afasta rapidamente. No entanto, ao tentar
parar o carro na velocidade em que estava, acabam quebrando o eixo da
roda ao bater numa pedra. Sem ter aonde ir motorizado, o que resta aos
jovens é caminhar pelo deserto em busca de algum abrigo e resgate,
deixando no local a jovem que encontraram na estrada e o amigo Jason.
Será que esses jovens não
assistem a filmes de terror ou lêem noticiários policiais? Quantos
"sinais" serão necessários para eles perceberem que estão no caminho
errado? Vejamos: dão carona para um estranho armado; param num posto
onde uma menina fala assassinatos na estrada; encontram uma mulher
esquisita pedindo carona; são perseguidos por um furgão... Eles
praticamente estão andando por uma corda bamba sobre um precipício. E o
que mais incomoda é a tranqüilidade deles diante de tantos
acontecimentos estranhos...
Os "sinais"
continuam... No meio do nada, encontram um assustador espantalho, cujo
rosto aparenta ter sido feito com pele humana, circundado por diversas
covas "caseiras". Ainda assim, apesar de todos os "avisos, eles
continuam o percurso até um estranho rancho localizado na região. Lá,
pedem ajuda a um homem misterioso chamado Spider (Jim Fitzpatrick, irreconhecível)
e aceitam a hospitalidade aparente, sem saber que estão adentrando os
portões do inferno. Toda essas cenas descritas acima acontecem nos
primeiros 20 minutos do filme. Os outros 70 não precisam ser detalhados.
Basta saber que no local, eles enfrentarão um grupo grande de homens
esquisitos, alguns deformados, e lutarão pela sobrevivência de todas as
formas possíveis.
"Blood Ranch" ou "Rancho
Sangrento" é um filme extremamente mal dirigido, o que me faz pensar se o
diretor, Corbin Timbrook, o fez assim de propósito para dar uma
impressão de produção amadora, mais próxima da realidade. A cena de
perseguição dos carros é tão ruim na escolha dos ângulos - sempre no
interior de um dos veículos -, não deixando a menor sensação de tensão
nos espectadores. Há outros momentos ruins, que justificam a condução
fraca, como quando uma garota é atacada por vários homens, que a chutam
pelo chão, até cortarem sua garganta. O ângulo escolhido para a cena
permite ao público perceber que eles não estão agredindo-a de verdade.
Mas, não é preciso pensar muito: Corbin Timbrook é o mesmo individuo que
comandou o horroroso "Prisioneiro das Trevas".
Se o diretor é fraco, o elenco é
pior ainda. Atores sem o menor carisma não nos permitem torcer por seus
personagens. Por exemplo, eu só descobri que a menina era cega, porque
um dos rapazes comentou a respeito. Para mim, era apenas uma criança
esquisita e sem emoções. A garota encontrada na estrada também é pouco
convincente. Reparem no momento ridículo, digno de gargalhadas, quando
ela tenta tirar a arma de um dos assassinos, do furgão negro. Os seus
gestos lembram aqueles jogos de luta de fliperama, tipo "Street
Fighter", antes que é dado o sinal para início do combate. O único que
se salva é o veterano Jim Fitzpatrick, mais conhecido por seu papel em
séries de TV como "Supernatural", "JAG" e "ER". Ele também esteve
presente em "O Ajudante de Satã" (2004), "Armageddon" (1998), entre
outros trabalhos.
Spider é simplesmente insano. Faz Otis Driftwood (Bill Moseley) e o Capitão Spaulding (Sid Haig),
ambos personagens dos filmes "A Casa dos 1000 Corpos" (2002) e
"Rejeitados pelo Diabo" (2005), parecerem apenas crianças más. As formas
como ele justifica suas atitudes maléficas e conduz o racho da morte
são dignas de um ser completamente abominável. Infelizmente, o final do
filme faz cair por terra todo o seu brilhantismo quando Alex o engana
através de sua filosofia de quinta-série. È uma pena realmente.
Além do Spider, o filme apresenta outros seres dementes escondidos no rancho: um gigante mudo (Scott L. Schwartz, que fez ponta em centenas de filmes como "Homem-Aranha", "Onze Homens e Um Segredo, entre outros),
um anão, e um estranho personagem com personalidade infantil, usando
uma máscara de gato - talvez numa breve citação ao Leatherface -, são
apenas algumas das criaturas psicóticas do local. Há inclusive um que
lembra o xerife do filme "O Massacre da Serra Elétrica" (2003),
conduzindo o furgão negro em companhia de outro assassino.
Quanto à violência, apesar de
nem sempre explícita, "Blood Ranch" não deixa a desejar. Começando pela
imagem perturbadora de várias garotas presas como gado, aguardando a
hora morte; o filme também apresenta cenas gráficas de tortura e
sadismo, com direito aos clássicos ganchos tão comuns na franquia "O
Massacre da Serra Elétrica", além do uso de uma motosserra contra o
corpo de uma jovem. Temos estupro, dardos, facadas e até mordidas,
enchendo a tela de sangue e cabeças decepadas, para deleite dos fãs.
Toda a violência tendo como fundo as músicas clássicas que tocam no
rancho e servem para abafar o grito de desespero das vítimas.
Escrito pelo estreante Antonio
Hernandez, "Blood Ranch" deixa várias perguntas sem resposta: como
aquele rancho existe há tanto tempo sem a interferência da polícia, se o
local está cheio de vítimas e pessoas desaparecidas? Nenhum helicóptero
passa pelo local? Quem é exatamente a garota a quem se refere a
atendente do posto? Se a estrada está desativada, por que não há sinais
que indiquem isso como materiais de construção, placas de aviso?
A aranha do final está apenas se referindo ao personagem Spider?
Ainda que termine de forma
abrupta e possua algumas falhas técnicas, o filme merece ser conferido
por todo o horror que apresenta a partir da tendência atual e por suas
homenagens aos clássicos que marcaram época. É uma colcha de retalhos...
mutilada, com intestinos à mostra.
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